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A vantagem dum blog invisível é que ele é invisível. Ninguém lê. Ninguém se importa (bom, não se importariam ainda que lessem, eu sei). Tirando a Luciana, com quem estou ligada por muito mais do que meu entendimento do imenso talento dela.

Comida de cachorro

Enquanto despeja num pires o conteúdo do envelope de comida de cachorro que tirou de um armário branco de metal, essa mulher de cinquenta anos, muito gorda e malvestida, grita Tuti, Tuti. Imediatamente, um cãozinho redondo e amarelo entra correndo na cozinha e se apoia nas patas de trás. Essa mulher coloca o pires no chão sem elogiar Tuti. Em seguida, abre a geladeira, apanha uma garrafa plástica de água e se senta num banquinho, esperando. Tuti come devagar, cada cubinho molenga envolto em molho cor de ferrugem, uma tarefa quase intransponível. Essa mulher imensa aperta a parte de baixo da garrafa contra sua barriga como que empurrando-a com as duas mãos enquanto se balança, murmurando de boca fechada a canção que não consegue esquecer. Nina a si mesma. O corpo terrível para frente e para trás. Sem expressão, ela espera. Tuti se demora. Essa mulher não tem qualquer pressa. Quando o último restinho de molho marrom desaparece do pires branco sobre o chão também branco, essa mulher se curva e acaricia a cabeça de Tuti, correndo os dedos pela franja do cão. Ela lhe diz que ele é um cão bonzinho e pequeno e pergunta se quer sair. Tuti vai aos pulos para a porta. Sim, ele quer. Essa mulher permite que Tuti saia e se dirige para a escada. Sua garrafa de água esquecida sobre o balcão. No meio da subida, estanca. Diz a si mesma algo como sua balofa imbecil e volta para a cozinha. Abre a porta para permitir que uma gata marrom e pequena entre. Apanha sua garrafa. Volta a subir a escada.

São sete e meia da noite. Essa mulher vai dormir agora. Vai se levantar às quatro e meia da manhã. O mesmo dia, então, começará. Feito todas as outras manhãs.

Perdemos, perdemos todos. Perdemos tanto. Perdemos sempre. Perdemos o rumo, os ideais, as ideias, o fôlego. Perdemos o fio da história. Perdemos a vergonha, perdemos o medo, a caneta favorita, o papelzinho com o telefone do contador. Perdemos. Perdemos. Cada perda tão imensa. Cada perda um oceano. Cada perda, dizem os otimistas, é uma escola. Vamos aprender com as perdas dizem eles, odiáveis. Mas ninguém nos conta, bem, ninguém me contou: nem toda perda ensina. Ou edifica. Ou é um novo começo, Fal, vamos lá, sorria, confie. Perdemos e dói. Perdemos e doemos. Um amor, porque amores são perdidos, lembre-se disso. Uma promessa de amizade que durou alguns meses. Um trabalho, que parecia ser a coisa mais legal. Um projeto que nos foi tomado. A bola que caiu no quintal da vizinha. Um gatinho fujão. Uma oportunidade que, não, não voltará. Hoje nós, todos nós, perdemos quatro bebês. Mas morrem bebês todos os dias, Fal dirá você, com razão. Sim, morrem bebês todos os dias. Eu mesma já perdi um meu. Você, provavelmente, também. Os bebês morrem por motivos vários, bebês são perdidos, bebês são assassinados como foram hoje ou adoecem ou… Os bebês morrem. Perdemos quatro hoje, pelo menos. A perda, em se tratando de bebês, é sempre coletiva. Conjugue, sempre, com o nós. Nós perdemos. Nossa perda. Nada, nessa perda, nada em qualquer perda, de qualquer bebê, nos edifica, consola, prepara para um futuro brilhante. Este foi mais um dia de perda que não, não abre caminho para coisas melhores. Foi começo, meio e fim uma imensa perda. Perdemos.
2023 04 05

Se

Se você estivesse aqui, ainda que virtualmente, pelo aplicativo do celular, se você quisesse estar, eu lhe diria sobre o dia que tive e o que não pude ter e lhe perguntaria acerca do seu. Foi bom? Divertido? Alguém o tratou com gentileza, bondade até? O que você almoçou? O que viu da janela do ônibus, o respondeu na discussão? Se você estive aqui, se quisesse estar, eu lhe diria da cicatriz. Do e-mail. Da aula. Dos nãos em quantidade abissal que escutei aqui, ali. Eu lhe diria São onze e meia da noite, vamos fazer uma sopa? Se você estivesse, se tivesse querido ficar, se tivesse a paciência, o desejo, a maturidade, o brio, a coragem eu lhe diria que comprei a pasta de dentes que você adora, que não encontrei seu desodorante e lhe contaria que a recepcionista do hospital que me encaminhou para a consulta parecia a freira daquele seriado, lembra? Eu lhe diria que chove ainda, mas o ar cheira a pão e você me falaria a respeito do… Ah, do que você quisesse me contar. As fotos do domingo teriam outro sentido e seriam vistas com outros olhos, porque estariam noutro contexto, o nosso. Se você tivesse ficado, tivesse escolhido, escolhido aqui, me escolhido. Se você.

Vem cá, meu bem

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Águas Passadas