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Quando

Se escarafunchei rede social alheia?

Evidentemente.

Pela primeira vez em dez anos, não salvei foto em que W. aparece.

É um jantar na casa de uma das amigas ricas da turma deles.

Essa é uma turma que valoriza suas amigas ricas. Apartamentos lindos e/ou casas na praia são bem-vindos.

À mesa, W. olha para ela. Encantado, quase na defensiva de tão tesudo. Ela, por sua vez — linda, longos cabelos doirados, um manto de Nossa Senhora —, volta seus olhos de Sherazade para B., siderada. Que a encara. Como não poderia deixar de ser.

A foto é um tratado de psicanálise e eu me pergunto se quem tirou a foto foi a alegrinha mulher de AVQ. Se foi, bem, mais do que um tratado, temos toda uma nova sessão da matéria.

De qualquer maneira, voltando ao enlevo de W., não é de se estranhar que a mim seja dedicado seu nojo.

Se volto para casa, depois de ter encontrado um cadáver no tapete alheio, pensando, ainda, em W. e na minha dor?

Evidentemente.

 [no celular: O rei de Ramos, cantada pelo Francis Hime. Trecho de Todo o tempo em que permaneci de joelhos esperando por você, de Olimpia Caballer — no prelo]

Quando

Eu me agachei ao lado do corpo ou do que um dia foi um. Não encostei nele, não sei falar da sensação ao toque, mas olhando ele se parecia meio que com papelão que molhou e secou, molhou e secou. Quase branco. Massa de torta, acho. Era com isso que ele se parecia.

Sou uma pessoa só. Solitária e só são a mesma coisa? Não sei. As pessoas não querem andar comigo.

Às vezes há um brilhinho de esperança no que promete ser amizade e que, puff, some em seguida. A minha imensa angústia afeta aqueles à minha volta e eu me torno alguém cuja companhia é muito pouco agradável.

Os amigos se despedem de mim dizendo coisas como se eu demorar um bocadinho para responder seus recados é porque estou no meio do inferno astral \ de um trabalho importante \ de um momento difícil. Eu não insisto, saiba. Não fico mandando um milhão de mensagens e aí, podemos falar? Não faço nada disso. Fico quieta e espero.

Por isso, principalmente, me tornei refratária a novas investidas de amizade. Mas de quando em vez ainda caio nalguma esparrela.

Pensei nisso tudo olhando pro cadáver porque, Deus, quem é que morre num apartamento tão chique e lindo – dava pra ver, pelos móveis e obras de arte nas paredes, bibelôs de cristal e cortinas, ainda que duras por décadas de pó acumulado, que o lugar foi bem bacana um dia.

Esse cara morreu aqui e ninguém procurou por ele? Ele não tinha amigos?

Só não corro o risco de morrer sozinha e ser esquecida por anos sobre um tapete num apartamento trancado porque o meu é alugado. Morrer sozinha, ocá, mas em nó máximo um mês minha senhoria estará berrando meu nome e arrombando a porta, furiosa.

Ao me levantar e caminhar na direção da porta, me dei conta. Quem disse que esse cara morreu sozinho? Quem trancou a porta? Não tinha chave na fechadura. Ele entrou, trancou a porta, tirou a chave da fechadura, botou a chave (ou o chaveiro?) nalgum lugar e daí morreu?

Cadê essa chave?

. [no celular: Sundown, de Gordon Lightfoot. Trecho de Todo o tempo em que permaneci de joelhos esperando por você, de Olimpia Caballer -no prelo]

Quando

Não investigo assassinatos, entenda. Não investigo coisa alguma. Devo estar pagando penduricalhos na minha conta do cartão que nem imagino. Eu faço coisas. Busco documentos, organizo listas, fico na fila para pessoas que têm vidas complexas No corredor, à esquerda, depois de uma, duas, três portas, entrei num quarto escuro e com cheiro esquisito. Tateei em busca dum interruptor, sem me dar conta da inutilidade do gesto. Quando o encontrei, claro, a luz não se fez. Ainda que a lâmpada (ou a fiação já que falamos nisso) funcionasse, o imóvel estava há décadas sem energia elétrica. Cambaleei até a janela que empurrei feito uma louca até conseguir abrir alguns centímetros. Com o quarto banhado por uma réstia de luz, foi fácil escancarar a porta do armário, catar a pasta que AVQEPTENT tinha me dito que estaria na segunda prateleira e enfiar o envelope vermelho A5 na minha mochila. Voltei até a janela emperrada, que puxei, isso mesmo, feito uma louca, até fechá-la de novo. Tudo certo. Pé ante pé, no escuro empoeirado, saí dali, voltei pelo corredor, entrei na sala. O cadáver não tinha movido um músculo. . [no celular: I still haven’t found what I’m looking for, xxx] trecho de Todo o tempo em que permaneci de joelhos esperando por você, de Olimpia Caballer [no prelo]

Quando

Fiquei uns minutos parada olhando para o cadáver, pesando na vida dele e na minha.

Ninguém teria essa reação frente a uma cadáver-múmia, minha amiga.

Sério? Encontre um cadáver-múmia num apartamento fechado há oitenta anos e depois me diga qual a sua reação.

Suspirei, dei a volta no corpo e segui até o que, de longe, me parecia ser um corredor. Eu só queria encontrar os documentos e sair dali.

[no celular It’s My Party –  Lesley Gore]

Trecho de: Todo o tempo em que passei de joelhos esperando por você, Olimpia Caballer. (no prelo)

Quando

Se você soubesse a treta que é chamar a polícia no Brasil, você nem pensaria nisso.

Aliás, eu também não.

[no celular: If you leave now – Chicago]

Trecho de: Todo o tempo em que passei de joelhos esperando por você, Olimpia Caballer. (no prelo)

Quando

Depois que você morre a circulação sanguínea para completamente. Por isso, você fica pálido. Seu corpo é tomado pelo Pallor mortis. Horas depois virá o Rigor mortis, a rigidez, porque seus células, sem oxigênio, morrem.

O cadáver no tapete carcomido bem ali na minha frente tinha passado por tudo isso há décadas. Não que eu soubesse disso quando o encontrei.

[no celular: Under the Sea – do desenho animado A pequena sereia]

Trecho de: Todo o tempo em que passei de joelhos esperando por você, Olimpia Caballer. (no prelo)

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Águas Passadas