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Pedra bruta: As faltas de 2024

por Andréa Pontes

A gente está igual a esse poste em 2024 – no equilíbrio para não rachar de vez

Falta. Humanidade.

Falta. Luz.

Falta. Compaixão.

O que a maior cidade da América do Sul viu não foi brincadeira. Pessoas doentes na dependência de geradores de luz. Comerciantes jogando estoques fora. Famílias perdendo compras do mês. Postes cortados ao meio. Árvores caindo, sem poda adequada. Atingindo casas, fios, carros, pessoas. Um cachorrinho morto por conta de fios caídos pela calçada.

O noticiário tem sido mais de 90% sobre o tema. Não fossem as eleições de segundo turno, seria 100%. Falando em eleições, a falta de luz atingiu em cheio o debate político. Assim, esferas municipal, estadual e federal se viram envolvidas. Importante, aqui, a gente esclarecer algumas coisas, para que você não se perca em meio a tantas declarações.

A Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica regula e fiscaliza. É uma mediadora entre governo, empresas do setor e os consumidores. Não é, portanto, o Governo Federal que faz esse papel. Trata-se de uma autarquia. O que significa que tem poder absoluto, tem autonomia econômica, técnica e administrativa.

A Prefeitura deve cuidar das árvores da cidade. Dos semáforos, dos postes de luz. Ou seja, árvore caída, poste destruído, semáforo apagado são de responsabilidade do município.

O Governo Federal, o Ministério Público Federal, o Tribunal de Contas e a Controladoria Geral da União estão redobrando as fiscalizações junto à Aneel.  Após cinco dias, 49 mil unidades ainda sem energia elétrica. Junte-se a isso riscos de crises hídricas, queimadas e um sistema que precisa ser aprimorado.

Não é algo que se resolve rapidamente. Mas, se resolve, com foco em consumidor, em boas práticas, modernização e uma regulação mais eficiente. Enquanto você e eu lamentamos a comida que foi para o lixo, é importante sabermos qual o papel de cada um nessa história. Inclusive, o nosso.

Enquanto isso, há um País a ser governado. No campo econômico, o presidente Lula se reuniu com os principais banqueiros do Brasil. A estratégia é apoio, justamente nas reformas que precisam andar dentro do jogo político envolvendo Câmara e Senado. Os bancos querem menos juros e mais eficácia fiscal. Lula quer poder governar, incluindo e principalmente os mais pobres.  E, sim, o mercado influencia e muito nesse processo.

No Brasil, temos as pautas mais do que esperadas chegando: Black Friday, Natal e o comércio, retrospectiva 2024 e projeções 2025. Mas, aqui, há muito mais. A gente sempre pode se deparar com um apagão na principal capital econômica do País.

Então, se você pensa que o ano está para acabar, lamento. Ele promete mais um ano em três meses.

Aumente o estoque de velas e fósforos. Ainda há muito para eletrizar 2024.

Pedra Bruta: Transições

por Andréa Pontes

Feliz dia da criança

Como passar do sonho ruim para o sonho bom. É o que a humanidade mais quer saber. Principalmente, em um momento em que tudo parece dizer: é, gente, demos ruim. As queimadas estão aí, a violência. Até contaminação em transplante de órgãos temos.

Mas…

A gente precisa ver graça na vida. O Dia Mundial da Saúde Mental não existe ao acaso. Andamos doentes. Não nos cuidamos. E ainda maltratamos o outro.

É preciso ter um sonho, ou sonhos. É preciso acordar querendo algo a mais. Tem muita coisa nos distraindo.

Assim, a alegria nas pequenas coisas. As pedrinhas boas do dia. É um dia após o outro. É um caminhar, por vezes desajeitado.  Às vezes sem som, sem dança, um pé após o outro.

A vida é início e fim constante. E quando renascemos, ainda em vida, é feito bebê que agimos. Devagar, do zero, engatinhando. Mas indo em frente.

De alegria em alegria, o sorriso se nutre, volta, a respiração melhora. Mais uma oportunidade para sermos melhores.

E, quando o tempo fechar, quando o furacão anuncia presença – em tempos de aquecimento global, mais comum do que desejamos – é a hora de pegar a poupança de sorrisos, de coração quente, das pequenas alegrias. E de lembrarmos o motivo de estarmos por aqui.

A passeio e para maltratar os outros é que não deveria ser.

Pedra bruta: Brasil, um longa-metragem

por Andréa Pontes

A vida ensina que até gelatina diet tem seu valor

Uma cirurgia, uma licença da abençoada Fal. Mas, por onde começar? O Brasil, se não resumido minimamente a cada semana, vira um filme de longa-metragem. O que dizer das nossas eleições? Violentas, com cenas grotescas. Cadeiras, falsificação, compra de votos. Até candidato com pés descalços, tivemos. Aqui, temos campanhas para diminuir o absenteísmo, incluindo batatas-fritas. É ou não enredo de documentário?

Mas, aqui, não vamos seguir as eternas análises de quem ganhou, quem não ganhou. Vamos além. É bom lembrar que nada acontece ao acaso. Os resultados das eleições 2024 – ainda em segundo turno – foram produzidos há anos. A Lava-Jato produziu percepções e leituras, algo que em comunicação chamamos de narrativa (sei, a palavra tem sido maltratada, confesso). Isso fez com que partidos se desidratassem e a direita e a extrema-direita crescessem.  É muito importante a gente saber que podemos dizer que a esquerda perdeu ou que a esquerda vem reagindo. Basta lermos os fatos e nos debruçarmos em dados da história política desse País, que não deve nada a um filme de Almodóvar.

Então, antes de cair nas análises, nos palpites, nas pesquisas, atenha-se aos fatos. Importante: a base eleitoral de qualquer partido começa e se fortalece nas eleições municipais. Dito isso, não podemos esquecer um personagem que vem articulando, há anos, muito bem: o PSD. Não é por sorte que foram os grandes vencedores das eleições.

Acelerando bem nos detalhes, um fato chamou a atenção. A Comunicação em Crises, podemos dizer, definiu o segundo turno das eleições em São Paulo. A agilidade da equipe do candidato Guilherme Boulos em responder, levantar provas, foi crucial para que a narrativa (ela, novamente) não colasse. Podemos dizer, que, com emoção, a sexta-feira começou a decidir as urnas de domingo.

Assim, temos a comprovação de que mentira tem perna curta. Por mais que esse ‘curta’ dure uns meses ou até anos.

Não param de chegar aviões com resgatados do Líbano, graças ao empenho do Governo Federal. O conflito no Oriente Médio também não começou há um ano. Começou há anos. Temos religião, política internacional e economia. Tudo muito sensível. Passos errados são fatais.

Aqui, a inflação deu uma crescida. Estamos em aquecimento global, queiramos ou não aceitar. Queimadas, dias mais quentes. Menos chuva. Com isso, para que a luz não acabe, não basta pagar a conta. As termelétricas entraram em ação. E, com isso, mais custos na operação, maior a conta de luz.

Nos Estados Unidos, o tornado Milton promete estragos, muitos estragos. A economia norte-americana anseia por taxas menores, mas com a guerra e tragédias climáticas, o cenário não é tão atraente.

Diante disso e muito mais, o que nos cabe é fortalecermos nossas identidades. Quem somos, nossos valores, nossa cultura. Precisamos, por demais, saber quem somos, não esquecer, porque isso nos ajuda a tomar as melhores decisões: no supermercado, na vida, diante da urna eletrônica.

É um direito que temos. Enquanto ainda formos humanos.

Trens cruzando o país: Rule against perpetuities

por Raquel Azevedo

Querida Carol:

Tenho certeza que era fevereiro porque estava frio, escurecia cedo e eu estava presa em casa estudando para o Bar Exam. Em 2001 a internet não era nada perto do que é hoje, mas em alguma altura de uma tarde entre apostilas e Hotmail eu soube que o Herbert Viana tinha sofrido um acidente de ultraleve. Ele estava em coma, em um hospital do Rio, e sua esposa, uma inglesa chamada Lucy, que era alguns poucos anos mais velha do que eu, não sobreviveu. Deixou três filhos que certamente não faziam ideia que, naquela manhã de verão, tinham beijado a mãe pela última vez. Eu estava ali, imersa naquela maçada que era o Bar, milhões de simulados com perguntas inúteis sobre coisas como a rule against perpetuities, que não servia para mudar a vida de uma pessoa que fosse. No interest is good unless it must vest, if at all, no later than 21 years after some life in being at the creation of the interest. A partir daquela manhã, Lucy não podia mais ser considerada uma life in being.

A mesa redonda de pinho desbotado, a toalha puída, cor de goiaba com quadriculado bege, os ladrilhos brancos rachados no canto da cozinha, que era sala de visita e sala de jantar também. As janelas que davam para uma parede de tijolos vermelhos e um pátio vazio e sem propósito entre vários prédios, coberto de dejetos de pombos. Eles, esses ratos alados que não se cansavam de dar rasantes na janela ou arrulhar em cima do aparelho de ar condicionado, continuavam voando. Lucy já não respirava. Nunca iria ver os tijolos, reclamar dos pássaros. E eu me irritava com múltipla escolha e regras de transmissão de propriedade criadas por um rei da Inglaterra, muitos e muitos reis atrás. Os filhos de Lucy choram pela mãe e ela não vem. O pai dos filhos de Lucy está inconsciente, entre a vida e a morte que levou a esposa. Pode ser que ele nunca mais ande. E eu com preguiça de fazer almoço porque o fogão é por indução. Mortos não são preguiçosos. Não podem se dar ao luxo. Será que algum dos filhos se parece com ela? Será que já voaram juntos de ultraleve? Será que sabem que Lucy não vai voltar? As perguntas se alternavam na minha cabeça, entre uma e outra questão de múltipla escolha. Para elas, não havia resposta no final do livro.

Pelo resto daquele fevereiro estudei todas as manhãs, tardes e noites. Não por mim, mas por Lucy. E por Herbert e pelas crianças, de quem hoje nem me lembro o nome. Se o Paralamas podia voltar a andar, se um filho podia crescer sem uma mãe, eu tinha que dar conta de entender o que é um easement appurtenant. Eu devia isso à Lucy, que já não tinha escolha. Esse pensamento martelava na minha cabeça todos os dias, talvez por mais horas do que a matéria que precisava estudar.

Chegou o final do mês e a prova. O resultado levou meses para sair. No final não passei. Perdi por coisa de cinco pontos. Não consegui trazer Lucy de volta, nem consolar as crianças que em um instante ficaram sem a mãe, nem dar conta de uma prova que ao fim e ao cabo era só decoreba, só servia para ver se macaco sabe fazer cruzinha.

Lá se vão anos demais, os filhos já devem ser adultos, o mais velho pode até ser pai, Herbert avô, não sei. Acabei passando quando tentei de novo em 2006, desta vez por mim mesma, sem incomodar Lucy ou sua memória. Daqui a pouco chega outro fevereiro, Lucy já não faz cafuné no menino, já não pode ser considerada uma life in being há um quarto de século.

Agora quem está no hospital é você, há quase um ano exatamente, mas quem conta o tempo e a história é seu marido, sua família, nós, os amigos. Enquanto o relógio gira, você tenta recuperar a vida e a pessoa que foi, doendo pela pessoa que agora é, para seu bem, de seu marido e para sua pequena, que faz anos em fevereiro.

Não acredito em horas, nem em anjos, nem em Deus, mas coloquei um alarme para tocar todos os dias às seis da tarde. Paro tudo e converso mentalmente com você por alguns minutos, enquanto Maria Bethânia canta Toda beleza que há. Talvez deva conversar com Lucy também. Ela sabe o que é uma mãe que anseia por seus filhos e sua vida, mesmo sem fazer ideia do que é uma perpetuity.

Vem cá, meu bem

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Águas Passadas