Pedra bruta: A vida
por Andréa Pontes

Em janeiro, mais calor. Mais chuvas. As flores resistem, na medida do possível. Nós, também. Calor, enchente, lixo. Ai, ai, temos jeito?
Mas, ainda assim, a vida presta. Fernanda Torres, totalmente indicada ao Oscar – melhor atriz. E o filme Ainda estou aqui concorre a melhor filme estrangeiro e melhor filme. Significa contar a muitos o que alguns ainda negam. Houve um período cruel na história brasileira. Em que não só o deputado Rubem Paiva sumiu da família. Centenas de famílias esperam encontrar ao menos restos mortais. Um crime que não prescreve, enquanto algo material (corpo) não é encontrado. Um luto difícil. Ter o reconhecimento de um ente querido morto, mas sem os ritos da despedida. Aliás, aqui no Brasil, são mais de 200 desaparecimentos por dia. Variadas causas – tráfico humano, por exemplo.
Enfim, vamos resistindo. A idade chega a todos. Vamos reconhecendo pouco e perdendo a memória aos poucos. Vai se lembrar de mim até quando? Já se esquece se comeu, se tomou os remédios. Vê o dia passar pelas telas da tevê. As pessoas também desaparecem diante de nós. Some o que um dia foram.
Resistimos a relacionamentos ruins, a ambientes ruins. As rugas chegam com o bom senso (nem sempre). E vamos nos desfazendo de coisas sem importância. Roupas demais. Comer fora. Viajar. As prioridades mudam. Felizmente, para melhor. Já não faz mais diferença certas ruindades. Passamos a deixá-las com quem as produz. Já falamos menos (tentamos). Já observamos e ouvimos mais.
Sem a gente querer (ao menos, racionalmente), a vida se vai.
O importante, o que importa, é a gente se dar de presente o melhor caminho possível. Assim como trocar a água dos vasos para as flores durarem mais. E evitarmos a dengue. Descansar quando o corpo pede, quando a sinusite se faz presente nesse calor, seguido de ventos, de chuva. A garganta, as flores, as plantas.
São Paulo, 471 anos. O Produto Interno Bruto, o cinza, o concreto, os rios poluídos. A pressa, a inovação, o serviço inigualável.
O pulsar. A vida.
Pedra bruta: Miscelâneas que só o noticiário sabe nos proporcionar
por Andréa Pontes

miscelânea
Toda coluna preciso fazer escolhas. Isso porque são toneladas de temas nacionais, locais, internacionais. Acordamos e até irmos dormir novamente, lá se vão memes de Melania Trump, vídeo de motorista de ônibus tomando banho de mangueira, uniformizado, em pleno expediente. Lá se vão debates de consumo de ovos por conta de reality show. É injusto. É a vida. Nem tudo é mencionado. E o que é faz parte de uma confusão de assuntos distintos.
É a nossa vida.
O primeiro tema eleito é que, sim, é possível o dólar estar a R$ 5,92. O novo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, fez os leilões de dólar com o compromisso de recompra. O que logo suscita a pergunta — por que não era possível antes? Os fatos estão aí e corroboram que mercado e política andam juntos.
Por falar em dólar, Donald Trump iniciou o segundo mandato na Casa Branca (Washington, EUA) mandando vários recados. Desde questões de gênero, passando por mais rigor na imigração e não se esquecendo dos BRICS. They need us (eles precisam de nós) em referência ao Brasil. Na verdade, os EUA importam de vários países. O país chega a 36 trilhões de dólares em dívidas e vai precisar urgentemente apertar os cintos. E, Brasil, China, Índia, Rússia e África do Sul, junto com outros países, estão um passo à frente, vendo oportunidades de negócios sem precisar da moeda norte-americana.
Ao lado de Trump, a primeira-dama, Melanie, chamou a atenção. Cores discretas, em azul e branco, um chapéu cobrindo os olhos. Uma mensagem dura, rígida e com pouco calor humano. Também ganhou a atenção da imprensa — no caso, a brasileira — um roteiro real, que supera os mais criativos ficcionistas. A misoginia em estado puro. Com nomes de altos escalões profissionais, em comum, mulheres vítimas de abusos emocionais. Mulheres brigando com outras mulheres em defesa de homens abusivos. Há os que acharão graça; os que prestarão atenção à fofoca. E há quem vai se sentir diretamente atingida.
Os fatos: 1463 mulheres foram mortas por serem mulheres no Brasil, só em 2023. Uma pesquisa do DataSenado revela que a maioria das mulheres entende que o País é machista. Em cinco anos, de 2017 a 2022, a SaferNet contabilizou mais de 293 mil registros de crimes de ódio contra mulheres na internet. Os crescentes quadros de desigualdades estão mais do que expostos.
Então, antes de pensar se o Golfo do México se tornou Golfo das Américas, ainda perduram notícias pré-históricas. Estamos sendo atropelados pelos acontecimentos e mal arrumamos o básico da humanidade.
Ai, ai.
Desinformação, teu nome é PIX
por Andréa Pontes

Imagem em IA
Nos dias de hoje, entender sobre a desinformação é crucial. Ela tem sido uma ferramenta para lá de estratégica em desnortear discursos. É cada vez mais recorrente e, acredite, há quem ganhe com isso.
Vejamos a crise de comunicação atual, sobre o PIX. O secretário da Receita Federal, Robson Barreirinhas, tem incansavelmente concedido entrevistas para explicar que nunca houve cobrança e nem vai haver para quem utilizar o PIX. O Governo tem investido em campanhas e peças publicitárias, colocou até o presidente Lula gravando um vídeo. O Ministro da Fazenda, Fernando Hadad, subiu o tom hoje e declarou que quem continuar espalhando essas informações falsas terá consequências jurídicas.
Essa reação fez com que o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) mudasse a declaração sobre a taxação do PIX. Porém, não mudou o tom, insinuando que o Governo pode (em jornalismo, verbo jamais conjugado) vir a pensar em taxação. O fato é que o vídeo alcançou 120 milhões de visualizações em apenas 24 horas. Por esses e outros vídeos, utilizando até o próprio Ministro Hadad, com Inteligência Artificial, muitos brasileiros estão com medo de utilizar o PIX. Já há alguns registros de comerciantes cobrando taxas para quem utilizar o PIX.
No fim, o Governo recuou sobre dados de transações das operadoras de cartão de crédito, fintechs para movimentações acima de R$ 5 mil. O Governo vai ainda editar uma Medida Provisória para garantir que o PIX não seja taxado. O que vai combater cobrança de valor diferente entre dinheiro em espécie e PIX. A monitoração continuará , só que por conta da onda de notícias falsas, o reforço da mensagem será sobre gratuidade e sigilo. E a Polícia Federal abrirá inquérito para investigar os criminosos que espalharam ondas de desinformação.
Quem, por ora, ganha o jogo: tráfico, crimes cibernéticos e sonegadores.
Ou seja, o estrago está mais do que feito. Em uma situação crítica, tudo o que se objetiva é amenizar os efeitos. O Governo anunciou recuo na medida de monitoramento, até que a Medida Provisória confirmando O Banco Central explica que é mais do que natural uma queda na transação financeira em janeiro – até pelos efeitos de maior consumo em dezembro (Natal, Ano Novo). Mas, o noticiário vem levantando a bola que é efeito das fake news. Um parêntese, aqui. É mais do que habitual o noticiário vir com manchetes para chamar a atenção da audiência. É só recorrer a históricos “Notícias Populares” (SP), O Povo (RJ) e, o mais atual e famoso Meia Hora para entender que uma boa manchete atrai audiência e gera cliques – o que, outrora, era uma galera rodeando a banca de jornal, hoje é a galera ‘clicando’. Isso gera visualizações e rendimentos. E não é incomum ver o texto menos carregado do que a manchete. Infelizmente, é o que mais fazemos – a gente se contenta em se informar pelas chamadas do noticiário, quando, na verdade, deveria ler o texto. A informação vai além do alcance de um simples clique. Fecha parêntese.
Pois bem, nessa guerra pela informação correta, nós, os mortais, perdemos. O PIX é só mais um caso. Não à toa os veículos investem em editorias ‘fato ou fake’, porque se tornou essencial desmentir. E, é bizarro, mas há quem defenda a desinformação, porque é negócio. Para quem desdenha da comunicação, um alerta – ela está intimamente ligada à formação de opinião e tem sido disputada, pois é ouro para vencer eleições, conquistar corações e mentes, fazer o valor de ações em Bolsa de Valores subir.
Mentira ganhou pernas longas.
E aquele básico, que nunca muda, por mais que tentem esconder, nunca foi tão importante: conhecer com quem fala, manter a conversa, para evitar ruídos.
Pedra Bruta: O sertão de Guimarães Rosa está em nós
por Andréa Pontes

Luisa Arraes e Caio Blat
Férias. Trabalho. A programação da tevê solta alguns especiais. Um deles, uma minissérie de quatro capítulos, baseada no livro Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa. Adaptada para o momento atual e à área urbana, algo que me surpreendeu. Além das atuações brilhantes de Luís Miranda, Rodrigo Lombardi, Mariana Nunes, Caio Blat e Luisa Arraes, as frases de Guimarães Rosa e o sertão sendo retratado pela pobreza e a miséria urbanas, a história toda fala com o sertão que há em nós. O sertão solitário e que nos acompanha.
Seja pelas tragédias de vida que vivemos e como elas vão junto com a gente vida afora. Ou pelo caminho de tentar fazer o certo em uma realidade cruel. O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando, explica Rosa por meio de seus personagens.
O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. A aspereza diária também tem sua beleza, porque ela nos torna, um dia, mais serenos em meio ao caos. Mais atentos aos nossos, mais presentes.
Mesmo em uma vida perigosa, como a retratada no sertão da vida, a gente passa, enfim, a encarar e a se encarar de frente. A assumir responsabilidades, a cuidar do nosso jardim, da nossa terra. A se calar mais. Voamos, caímos, batemos com as asas no chão do jeito guimareano de ser. Feito um conselho de Zé Bebelo, de que a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar de ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente.
Outro dia, nessas de rolar telas nas redes sociais, ouvi da jornalista Izabella Camargo uma provocação. Quem aqui usaria um par de tênis caríssimo, mas com número menor? Ela então explicou que, com o tempo, os pés estarão com bolhas e doloridos e vamos deixar de andar. Tentar caber onde não se cabe mais. Assim é nosso sertão interior. A gente tenta empurrar para trás, quando percebe, ele está lá novamente nos cercando.
O jeito?
Viver.