Pedra bruta: Reaquecer o coração
por Andréa Pontes
Amigo é coisa para se guardar. E é tão bom quando cultivamos carinhos. Pode demorar um tempo, mas sempre os reencontros são vivos, com amor, com algo que invade coração e alma. Assim, mesmo em rotinas insanas, cultivar isso não tem preço.
E, há um ponto a mais. Nesse mundo tão vazio de sentimento, homens matam mulheres, crianças, onde vemos corrupção, mentiras, esquemas para se dar bem, o passar por cima do outro, enfim, esse rosto que temos em sociedade e que queremos esconder do espelho.
É aí que a gente encara o que está por dentro. Sim, há dores, há dissabores. Mas, há essas memórias, de momentos, de lembranças, que nos fazem rir. A vez que você juntou pedrinhas e achou-as lindas para dar de presente à tia. Ou a festa icônica, com as mulheres fortes da família. Ou, aquele tio-pai engraçado, que vive em nós até os dias de hoje.
Assim, entre trânsitos, barrancos, chuva, encaixes, desencaixes, ‘fica para a próxima’, a gente precisa demais desses encontros. Precisa tentar. O importante não é a foto, é a conversa sincera, é a resenha, é o deixar o aparelho celular de lado. É o querer saber do outro, é o amor.
O grande problema é que há um mundo cada vez mais só. O IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas– revela o que já sabemos: mais gente morando sozinha (23%, somente no Rio de Janeiro). Obviamente, não vamos generalizar. Mas, não é ousadia dizer que essa vida com menos amigos, menos tête-à-tête, anda adoecendo o ser humano.
É preciso rir, conversar, ir ao encontro dos seus.
Antes que seja tarde.
É terça-feira ainda. Boa semana.
Pedra bruta: Aos fatos
por Andréa Pontes
Clube Livre de Arte e Cultura, em Niterói
O Fundo Monetário Internacional confirma: o Brasil cresce economicamente. Assim, a projeção para o Produto Interno Bruto foi de 2,1% para 3%. É a maior da história. Obviamente, há questões dos gastos públicos, mas a arrecadação de impostos foi histórica: R$ 1,731 trilhão, 9,47% a mais do que no ano passado.
Há e muito de se observar o encontro da cúpula dos BRICS – leia-se: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (representada pelo ‘s’ por South Africa). São polos emergentes econômicos. E, não menos importante, fundaram o Banco Nacional de Desenvolvimento (NDB), cuja presidência está sob o comando de Dilma Roussef.
Muito importante prestar atenção nos discursos do presidente Lula e de Dilma. Como presidente do Banco do bloco BRICS, Dilma reforçou que não podemos mais ficar na dependência do Banco Central dos Estados Unidos para os rumos da economia. O NDB tem criado um sistema de transações comerciais independentes ao dólar. Lula corroborou o raciocínio de Dilma e discursou apontando que é preciso avançar em meios de pagamento alternativos para transações entre os países BRICS. Falou também das questões climáticas, do perigo das desigualdades abissais entre os países e a questão fundamental da fome. No ano que vem, o presidente Lula deve ocupar a cadeira de presidente do bloco, que é rotativa, assim como o comando do NDB.
É um movimento importante para países emergentes, tanto o é, há uma fila de países para serem aprovados pelos países fundadores do bloco: Bangladesh, Indonésia, Cazaquistão, Irã, Argentina, Bolívia, Venezuela, Egito, Etiópia, Arábia Saudita.
Antonio Cícero, diagnosticado com Alzheimer, mas em uma lucidez de imortal, deixou uma carta de despedida, contando que já não via mais graça, os poemas já não vinham como antes. Parceiro não só da irmã, Marina, fez composições e poesias com João Bosco, Waly Salomão, Lulu Santos. Representou o que de mais moderno a literatura oferece. A obra Guardar (1996) é uma das mais celebradas no meio. Assim como poemas que foram cantados, Alma Caiada, por Marina, e Pássaro Proibido, por Bethânia (essa foi excluída pela censura).
Fulgás, o mundo nos enche de música, de guerras, de poesia. E a gente ainda fica em dúvida a quem dar atenção.
Trens cortando país: Coisas das quais a gente se esquece quando não vem trabalhar na cidade todos os dias úteis, após catorze anos consecutivos de vida de commuter
por Raquel Azevedo
- O senhorzinho sem um dente sequer na boca que vende jornal na entrada da Grand Central (chamada por nós commuters de GCT) que fica na Madison com 48. Quando eu estava grávida, quase toda sexta-feira ele me dava uma rosa. O que me faz lembrar imediatamente de outra coisa.
- Os vendedores de flores que tomam conta das várias entradas da GCT nas sextas-feiras à tarde. A ideia no ano da graça de 2024 é que o marido chegue com flores para a esposa para celebrar o fim da semana de trabalho. Não me recordo de ter visto uma mulher comprando flores. Está na hora de subverter isso ai.
- O completo descaso dos motoristas com os pedestres, ciclistas e motociclistas na Fifth Avenue, em qualquer altura de Midtown.
- Há trilhos de trem favoritos (qualquer um do 36 ao 42) porque ficam perto da saída, e desprezados (23, 33 e 34) porque exigem subidas e descidas de pelo menos uns 150 lances de escada quando se tem meros três minutos até a partida do trem.
- O trem que fecha a porta exatamente no horário da partida, mas fica ali, parado na estação, pelo menos mais uns cinco minutos, esfregando na sua cara a sua ineficiência e a proibição expressa de abrir novamente as portas.
- As pessoas que mastigam como se estivessem moendo vidro ou se consultando com um periodontista.
- As pessoas que comem tudo o que há de mais fedorento e/ou barulhento no universo. Dentro. De. Um. Trem. Fechado.
- As três entradas diferentes para a passagem subterrânea do Rockefeller Center. O fato de que só em uma delas há uma escada rolante que funciona para subir.
- A mudança de sentido das escadas rolantes da GCT dependendo do horário.
- A civilização das pessoas que se encostam à direita da escada rolante para dar passagem pela esquerda a quem está com pressa.
- As faixas exclusivas para ciclistas e os pontos das Citibikes.
- O porteiro do 600 Fifth Avenue que trabalha no prédio pelo menos desde 1776.
- A maravilha do projeto Art déco do complexo do Rockefeller Center, solenemente ignorada pelos turistas no fila da Starbucks ou na lojinha do 30 Rock.
- Do nada você pode dar de cara com o Jimmy Fallon, que é mais magro e muito mais baixo do que parece.
- O senhor grisalho que lê livros encapados de vermelho em russo e latim e que uma vez me perguntou se o que eu estava lendo era romeno ou português, porque ele conhecia Machado de Assis. Ainda existe (muita!) gente que lê no trem, livro de verdade, glória aos fenícios.
- Os andaimes, cones, barreiras, latas de tinta, pincéis, fitas azuis, fitas amarelas da polícia, luvas e botas de construção do quais a gente tem que se desviar o tempo todo.
- As garçonetes sem educação de Midtown que te atendem como se você tivesse pedido a cabeça da mãe delas numa bandeja, rodeada de fatias de abacaxi. E você só pediu uma água.
- As mulheres com kits completos de maquiagem (e até de manicure!) se aprontando quando o trem chega na estação do Harlem. Já fui uma de vocês, companheiras. Agora, no máximo, topo base, rímel e batom.
- A dificuldade de encontrar um assento do lado do trem com a vista do rio que tenha o vidro limpo.
- As pessoas que têm discussões acaloradas no telefone ou que fazem chamadas de vídeos com a família inteira em altos brados. Não me conformo com o fim do “quiet car”, o vagão silencioso que me deu anos de paz de espírito e tranquilidade.
- A impossibilidade de se tolerar os torcedores bebâdos voltando do Yankee Stadium, os universitários do St. Patrick’s Day Parade e os papais-noéis da SantaCon.
- Dependendo da época do ano há que se sacrificar a vista bonita do Hudson na volta para casa porque o sol bate direto no rosto e não há ar condicionado ou protetor solar que dê conta.
- Os murais homenageando mulheres negras e hispânicas nas fachadas dos prédios do Harlem.
- O pôr do sol nas Palisades e os barquinhos passando por baixo da Tappan Zee Bridge, que, aliás, nem se chama mais assim.
- O sentimento de alívio de chegar em casa quando sinto o cheiro de lenha queimada ao descer do trem na minha estação.
Pedra bruta: De onde a gente veio, não faríamos metade das besteiras que fazemos hoje
por Andréa Pontes
Povo Yanonami – fonte: blog Marco Zero
Viagem é sempre uma aventura. Mesmo que para lugares conhecidos. É a parada para o banheiro, é a parada na casa que tem mamão no nome, mas não tem mamão. É a madrugada sem intercorrência na estrada. É o alívio de ter passado antes de um caminhão cheio de pedaços de madeira tombar na estrada.
Tudo vale em família. Ter que trabalhar sem ter dormido durante a noite. Respeitar as diferenças, mesmo que todos vindo de origens comuns. É a diversidade cheia de raízes. Ultimamente, conversar com a ancestralidade nunca foi tão necessário. Algo temos que aprender, seja nos erros ancestrais ou nos valores que devem se perpetuar. Talvez a gente fosse mais humano, melhor, se nos lembrássemos mais de onde viemos.
Entenderíamos que não faz sentido nos odiarmos por sermos diferentes. Que a História mostra, com clareza, que guerras pelo poder nunca trouxeram bons resultados. Países que nunca mais se reergueram, famílias destroçadas, traumas em culturas e, infelizmente, mais ódio, pelo desejo de vingança. Em meio a isso, pessoas que não pediram por isso, não concordam com isso, mas perdem casas, rumos.
O mais estranho disso tudo é que o DNA está dentro de nós. A nossa história, desde os parentes mais longínquos. Mas, só queremos saber do lado de fora. E, em meio a um turbilhão, que é a vida, corremos o risco de nos perdermos na arrogância. Como bem diz o imortal Ailton Krenak, em “Um rio um pássaro”, se um dia a Terra conseguir nos expulsar de vez do planeta, ninguém vai sentir a nossa falta. Os bichos, as florestas, os oceanos – todos iam respirar melhor, aliviados.
Assim ensina Krenak: “se nos permitirmos descansar o corpo na natureza, todo o universo passa a trabalhar a nosso favor. para pescar é preciso do apoio do espírito da água, é preciso negociar com este espírito. assim como o vento que carrega sementes, a água também carrega as suas sementes. a nova vida que nasce carrega consigo a memória do antigo. é o dinamismo que miscigena o velho e o novo, assim é a vida”.
É tão simples. Quando se sentir desnorteado com toneladas de informações, com tantos casos escabrosos, de atear fogo em colchões de moradores de rua até mísseis dizimando povos, pegue um álbum de fotos. Daquele tempo que filme era revelado e só havia 24 a 36 poses. Reveja-se e olhe para os seus. Ria das calças boca de sino, das costeletas, tenha saudades das saias balonês e dos laços gigantes. Relembre quem você é.
E pensar que Krenak levou quatro horas para escrever “Um rio um pássaro”, quando viajava com o fotógrafo japonês Hiromi Nagakura pela Amazônia.
Genialidade é simples.