Eu queria tanto uma pausa. É ridículo choramingar em público (daí eu rio e me lembro que ninguém lê), mas eu queria tanto um ponto de calma e carinho e paz e graça. Eu deveria ser meu próprio ponto de alegria e alívio, acho, mas não será nessa vida e não há mais ninguém.
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A pessoa pra quem o conceito de amizade é curtir post em rede social pra não te dar um “bom dia, como você está” é a pessoa que não te merece.
Falar é fácil demais. Mas você é uma covarde.
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Saudade de quando o Marcelo Rubens Paiva canta que comprou um Bamba novo e agora pode fugir da bomba H.
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Escrevi um texto no comecinho de agosto, aliás dois, que se um amigo escrevesse, eu me desdobraria para colocar a minha mão na nuca do cara. Eu não ofereceria só conforto, eu ofereceria um sanduíche de queijo e um soprinho no rosto. Zero palavra sua. Zero. Zero.
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Pelamor, deixem a Lady Di em paz. Que gente infernal.
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Agora que botei minhas anotações para jogo, fazer anotações se tornou um… algo. O fenômeno que se altera quando observado. Sim.
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Tenho vivido em meio a caixas de papelão, sacos de lixo, fitas adesivas e, juro, não aguento mais Não tenho a menor perspectiva de quando isso vai acabar e estou exausta.
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O cara não está preocupado com você, nunca esteve. Ele só não quer se sentir culpado por fazer o que faz. E você alivia a culpa dele, porque você é quem é e faz o que faz.
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Tudo o que mais desprezo concentrado no segundo semestre desse ano. Yipii.
Digo nunca mais quase todo dia. Daí eu vou e banco a palhaça. Ontem, por exemplo. Ontem eu disse nunca mais. O que eu fiz hoje? Foi, banquei a palhaça.
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Vela de capim limão: é horroroso esse trem. Tou arrependida da compra.
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Preciso de alunos, Preciso muito de alunos. Preciso loucamente de alunos. Preciso de alunos.
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Quase certeza de que a musa tá botando ovo no mato. Não quero pensar nisso. Não tem rio mais preu chorar. Então nós não vamos pensar nisso.
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Planos em andamento. Bem, bem devagar. Bem devagar. Mas bem, mesmo, devagar. Devagar.
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O Twitter meio que tá estragado pra mim. Vou lá fazer propaganda do blog, mas é isso. Fico tomada de tristeza checando compulsivamente postagens que não deveria, que não são para mim e que não eram pra me interessar – pessoa descontrolada que sou. Então, tenho evitado. É, tenho evitado.
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Desconfiar dos próprios instintos. Um passo mais na direção do abismo.
Cada um tem o seu e não adianta o amigo criticar. Não adianta cê me dizer _Ê, Fal, deixa de ser trouxa_. É meu amor. Me deixa. Eu mendigo sorrisos, assim como mendigo ideias e palavras bonitas e, vá lá, inspiração. Ele é minha musa, sim.
Processo criativo, você desenvolve ao longo da vida e seu processo muda e muda e muda (Deus podia ser bão e mudar também o objeto do amor, em vez de manter a gente doida por anos e anos no mesmo cara que nem tchuns).
Processo criativo tá aí para ser reinventado todo santo dia, a cada mudança de casa, de estado civil, de dieta, de candidato, de gosto. A cada mudança de luz. A cada variação de temperatura. Junto papelitos e frases soltas e imagens e rimas tontas e conversas dolorosas ao longo dos dias e dias. Encaixo tudo num cadernão pra decidir, um dia, se aquilo vai pro Matisse, pruma poesia, pra aula do Pedro, prum postal da Luciana, prum texto sobre o qual D não fará comentários, mas que eu fiquei tão feliz de escrever que tudo bem, mais ou menos.
Meu processo criativo está, para sempre, ancorado no meu método – seja lá qual for meu método nessa fase da vida.
Tralha juntada, recortada, colada, anotada, passada a limpo, reúno tudo e escrevo deitada na cama, de barriga para baixo. Mas só se não tiver calor. Se tiver calor, trabalho deitada de barriga para baixo no tapete da casa da Ana e do Paulo, debaixo do ar condicionado. Se eu estiver frágil e chata (_Mais, Fal?_, trabalho deitada de barriga pra baixo na cama da Telinha, refazendo e refazendo meu bordado, a mão dela nos meus cabelos, um intervalo de choramingos e palha italiana, risadas, lembranças boas demais. Mas se eu tiver muito triste e tiver passado a noite fritando debaixo do edredom vermelho e verde, trabalho sentada na cadeira lá de fora, com os pés na mesa de centro e a gata malvada trepada em mim.
O jeito que trabalho faz – também – parte do meu processo criativo.
Não consigo criar sentada numa escrivaninha, sem ouvir música antes, sem ouvir a tevê durante, sem água gelada (mesmo no inverno), sem – às vezes – espiar uma foto secreta, que _só eu tenho_, ele, lindo, lindo mesmo, rindo para mim e só para mim, orelhinhas bonitinhas, cara de _ai meus deus, que saco a veneração dessa mulher_ (mas eu não ligo), sem parar no meio para mandar uns recados doidos para Suzi (_Zuzi, você acredita que…”_), sem fazer perguntas idiotas para ele, só para obrigá-lo a falar comigo (eu sei, sou baixa demais e mando uns memes tontos e uns _ você acha que eu devia…_).
Não dá.
É impossível para mim, dissociar processo criativo do trabalho propriamente dito, o lugar onde trabalho (e a posição), da água e do barulho de _Supernatural_, do meu caderno colorido e todo rabiscado, da Ana chegando tarde e cansada e fazendo lasanha, do Paulo indo fumar lá fora, da minha mãe achando roupa na loja chinesa e dizendo _Abre esse anuncio que eu mandei pra você_, da Carola me mandando corações no meio do dia só porque a gente se ama, dos áudios que me chamam de preta, da gargalhada a Suzi antes do indefectível _ De quem foi essa ideia idiota, Fal?_, do café com leite da minha mãe, dos dicionários abertos em volta de mim, do Miltão me falando de música e da USP, do chá cor-de-rosa no copo lindo, dos catiorros que a Mari me manda no gerenciador, dos recados bissextos do Paulão, _Fal, se você tiver material para mandar para mim…” – que querem dizer *Fia, você está trabalhando, pelo amor de Deus?*, das fotos dos livros de Carol e Karol, dos textos da Diana, das minhas datas com a Joana, dos áudios sem pé nem cabeça do meu irmão.
Processo criativo, trabalho, método, anotações, ideinhas concatenadas, pesquisa, caneta de tint preta, roupa de ficar em casa, mais trabalho.
Você, seu processo criativo, o Chico Buarque, meu processo criativo, o brilho do cigarro no escuro da varanda, o seu amor, as prateleiras içadas, o meu amor, a razoável distância, a questão que se faz, o tema, minha narradora que certamente morrerá em fevereiro, as referências do Paulo Ronai em todas as partes, as excelentes pesquisas da Krysse, os J. Marías empilhados, a banda alemã, o gato deitado na minha bunda, as ideias, o tema periférico, as palavras, as definições, as saídas mágicas, a tampa sumida da caneta, o cachorro comendo a cola pritt, o livro novo da Valek, as fotos que ele não me mandou, a significativa distância, as frases bem sacadas do Verissimo, a tomada de fôlego, o concerto de Mahler, as questões debatidas mais de um vez, aquela crônica relida de novo do Paulo Mendes Campos, a encomenda dos orgânicos, a lista de tarefas da Suzi, as imagens coladas a sabe-Deus-o-que, as portas abertas, escancaradas, batidas na força do ódio e deslocadas do batente, o tema central, os muitos nãos, a diferença de tom, o _eu estou noutra página_, o livro grifado em cor de abóbora, a Barcelona da Cyntia: processo criativo, trabalho, juntação de tralha, palavras, cuidados que tomamos ou não com quem amamos, ideias postas no papel, processo, processo. Ah, eu falei da música? Ah, eu falei do amor?
*2022 08 29 #DropsDiarinho*
( Descabelada no vídeo, mas é que o dia em que eu aparecer não descabelada, ninguém me reconhece. )
Luciana querida, nosso livro de comida me assombra dia e noite. Não quero falar sobre isso.
Você me perguntou do atum que comprei que nem uma pata, preparei e congelei. Acabou. Agora não quero ver atum por um ano.
Tenho cozinhado porque, né, que solução além dessa.
Trudia eu disse pra D que fiz risoto para “uns amigos”. Mentira, mas eu quis fingir que tenho amigos lotando minha cozinha, fazendo frases engraçadas e tomando vinho tinto em taças de cristal fininho. Na verdade, fiz risoto para os amigos da Marli. Coloquei a travessa sobre a mesa (note que não servi na panela, veja meu grau de civilização), dei adeusinho e meia-volta. Subi, tomei banho, botei pijama descombinado, meias despareadas e roupão lilás. Paguei de descoladíssima pra D, mas fiquei aqui, vendo série dublada e arrancando casquinhas metafóricas. Ele não liga se eu tenho uma turma de cem pessoas ou se só tenho o Zé do Leo Jaime. Eu sei, você sabe, ele sabe, o papa é pop. Mas e daí, Luciana? E daí? Eu não queria que D me achasse uma esquisita que não tem amigos. Aqui entra a voz do narrador dizendo “é tarde demais, Fal”.
Ah. Fiz siri ontem. Só pra mim. Fiz siri porque queria procrastinar a tarefa do Matisse. Luciana, foram meses nesse texto. Cabei só hoje, depois de comer a última partinha do siri.
A Carina, muitos e muitos anos atrás, foi quem me ensinou que siris são caranguejos o que resume todo o meu conhecimento sobre esses caras.
Piquei cebola e tomate (montanhas de cebola, montanhas, montanhas), refoguei e botei lá todo o meu lindíssimo siri. Um pacote de 600 gr. Daí uma taçona de vinho tinto e um copo de caldo de legumes (eu contei que congelo meu caldo de legumes em copinhos de 300ml? Menina. Sou organizada demais). Foguinho mais baixinho do mundo. Daí piquei um pimentão vermelho e fiz rodelas com outro pimentão vermelho e um amarelo – deixei todos os meus pimentões num cantinho.
Enquanto a carninha cozinhava, eu matei a garrafa de vinho e lavei louça, limpei e esfreguei porque cozinha imaculada é um dos meus muitos lances doidos. Taí outra coisa a respeito da qual não falaremos.
Derrubei 300ml de leite de coco na panela. Sou demais dessas, demais, demais. Quando o leite de coco borbulhou fazendo um barulho esquisito e espirrando nos meus olhos, botei meus pimentões picados e rodelados na panela. Não saí mais dali, porque eu queria que o pimentão cozinhasse, mas não que ficasse molengo.
Ficou lindo, o cheiro faria crise de choro em qualquer pessoa sensata. Tipo eu.
Comi com arroz branco mais simplinho do mundo. Mas assim. Comi enquanto me achava a pessoa mais talentosa da face da Terra.
Enquanto comia e bebia outro chileno (rose dessa vez) vi um filme muito triste chamado Um lugar especial.
Ando lendo e vendo muito sobre morte, pessoas que vão morrer e despedidas. Ando triste e suspirenta e esse estado é péssimo para a vida e ótimo para escrever livro. Por isso, tenho trabalhado. Feito um adultinho.
Não como doce há muito tempo, mas se comesse, a sobremesa seria Romeu e Julieta. Você sabe. Histórias de amor em que todo mundo morre no fim. Feito no livro, feito na vida.
Quando você escreve, algumas coisas são escolhas. Conscientes, bem pesadas, bem pensadas. A maioria, eu diria. Algumas coisas, quando você escreve, não são escolhas. Você não decide. Você planeja e, na execução, aceita as mudanças, alterações de prumo e de rota. Não, não se trata da picaretagem mágica que alguns autores adoram propagar, “as personagens têm vida própria”. Trata-se, sim, de que a realidade se impõe. O vestido pendurado na arara não é o vestido do croqui, a ponte que seu carro percorre não é a ponte da prancheta. O livro no papel não é, jamais será, o livro que existe na sua cabeça, no mapa mental na sua parede, no seu esquema, no seu resumo, no planejamento que você entregou na editora. Algumas coisas, porém, não são escolhas. O fator confortabilidade, o “sentir-se confortável”, é um deles. A cadeira, o formato do mouse dentro da sua mão, o cheiro do seu escritório, seu apoio para os pés, os sons que embalam o trabalho, as folhas do dicionário preferido sob a pele dos seus dedos, as abinhas abertas que sorriem detrás umas das outras, a casa que guarda seus textos. Cada um destes elementos, ou é seu, ou não é. Pertence a você, ou não. Quando você escreve, mais importante do que qualquer outra coisa, é procurar e encontrar o seu lugar para escrever.
Passei horas no hospital essa semana. Muitas horas. O ser humano é um negócio horrendo e quem diz que a natureza não comete erros, devia se olhar no espelho.
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Cartas e postais para a Luciana. Os assuntos variam (não, não variam) do meu combalido coração partido ao clima, passando por como estou incapaz de escrever o que quer que seja. A paciência de Luciana para com os idosos é algo a ser estudado.
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Meu corretor deseja que eu mude “clima” para “crime”. Está errado? Claro que não.
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Jantar sozinha. Gente em volta, barulho, beijocas e conversa. Chet Baker já tinha avisado a você sobre isso. Segura, fia.
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Envelhecer é, também, aprender a desistir. Cada vez mais, menos condição. Desqualificam minha opinião, dou de ombros. Não tenho mais condição de discutir.
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A ricota defumana desta semana está absolutamente defumada. A semana foi horrenda, mas olha só, a ricota não se deixa abater.
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Tenho aproximadamente vinte tesouras (sem brincadeira). Não acho uma nessa casa.
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Brasil, este país ridículo, caminha, mis uma vez, bem juntinho do precipício. Não tenho mais pena, paciência ou esperança. Tenho garrafas de vinho para me sustentar até meu amargo fim¿ Acho que não, vou providenciar mais.
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Fones de ouvido: devem estar lá junto das tesouras.
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Às vezes, você diz a si mesma: Olha que belo momento seria esse preu sair de cena. Você inda tem mãe e um cãozinho, as cousas que mais nos prendem a esse planeta, mas olha só, às vezes há consolo nas constatações mais simples.