Deve haver um método de tortura patenteado por algum gênio do crime que consiste em perguntar às mulheres solteiras “Então você resolveu não se casar?”. Quando a gente é viúva ou divorciada (eu gosto mesmo é de “desquitada”, acho o fino), a pergunta é “Então você resolveu não se casar depois do divórcio/ depois que o A. morreu?”.
Olha.
Sinceramente.
É pra gente responder o quê?
Então, resolvi passar o resto dos meus dias sozinha, os homens são todos unsescrotos.
ou
Então, não foi que eu resolvi, não, é que depois que o Alexandre morreu ninguém me quis, então estou condenada à esta miserável solidão.
Sério. O que eu mais vejo é mulher respondendo Pois é, não aconteceu…
Mas a gente devia mesmo era responder vai se foder, seu escroto, a minha vida não te interessa.
Depois eu me pergunto porque ninguém gosta de mim.
(posso ouvir a voz da minha mãe dentro da minha cabeça dizendo “Bi, deixa de ser mal-humorada, a pessoa só estava puxando assunto”. Mas, vem cá, quer puxar assunto, fala do tempo. Puxar assunto é “que chuva, hein, menina”. Olha. Morram.)
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Uma escritora profissioal deveria ser melhor pesquisadora, sinceramente.
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Quando chove, penso em você. Acho que alguma bruma de fantasia doméstica me toma, alguma coisa maluca que envolve canecas de chá, almofadas macias e pés vestidos em meias coloridas encostados uns nos outros na mesinha de centro. Tem medicação pra isso que me acomete, mas a dose ainda é um mistério.
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Realmente não me envergonho em dizer que estou no terceiro episódio de The witcher e não estou entendo coisa alguma. Nada. tá um corre-corre e é princesa maluca pra cá, feiticeira revoltada pra lá, tem um tiozão de peruquinha branca, uns véio malvado, a Dolores Umbridge lá fazendo eu não sei quê, olha, tou até cansada. Várias moças peladas.
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No mundo ideal (o meu, o das pessoas irascíveis, antipáticas e solitárias), eu faria caixas e caixas de canecas NINGUÉM SE IMPORTA, SEU BABACA, que seriam amplamente distribuídas.
Amiga minha, Jane, colocou em palavras o que eu (mais uma vez) não soube como: esse sonho campesino nosso, a casinha afastada numa praia selvagem, no meio do mato, esse sonhinho nosso é europeu. Essa vida é impraticável no Brasil. Você seria degolado na primeira semana vivendo aí. É preciso ter instalada imensa paz social, divisão mais-ou-menos correta de grana, empregos, justiça social mínima, para que você possa morar aí em paz. O que nos resta são os odiosos condomínios de casas, rurais ou não. Jamais. Ninguém me pega morando novamente em um prédio de apartamentos e muito menos num condomínio de casas que, na minha opinião, junta o pior duma casa com o mais terrível dum apartamento. Fico no meu sobradinho no Brooklin. Teretetê a calha dá chabu, eu mesma tenho de botar o lixo na rua, sobe escada-desce escada, mas JAMAIS reunião de condomínio, JAMAIS vizinhos resmungando por conta de gatos/furadeira, JAMAIS elevador.
(saudades do nosso apê na Afonso Celso, porém. Era um quarto andar sem elevador, velhinhos em quase todos os apartamentos, corredores despencando de charme. Fomos tão felizes ali.)
Quase não pensei em você nos últimos dia, a não ser quando estava falando com você ou nalgum intervalo, ou quando fiz molho de tomate do zero e pensei que você gostaria do meu molho. Então me dei duas estrelinhas. Certo, eu deveria estar pensando zero em você. E também não deveria falar com você. Ou manter o seu número no meu gerenciador. Ou me preocupar com o que você acha de mim. Mas eu sou essa pessoa fraca. E pensei menos em você nos últimos dias. Então me dei duas estrelinhas douradas.
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Filme de apocalipse que os vilões são os robôs e não os zumbis. É bom dar uma variada no tipo de apocalipse.
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Tem o insta lá do Drops. Que tá lá, sigo quem me segue, posto capas de livros e tal. Trabalho. E tinha o insta meu. Que eu alterei pra ser um insta de poucos. Eliminei mais de dois mil seguidores. Fechei. Mudei nome. Tirei linque de blog. De tudo. É meu insta de pouquinhos. Sigo montanhas de contas de decoração, cães e pássaros e não deixo ninguém mais me seguir de volta. Os amigos que ainda estão lá são cada vez menos. “Amigos”. Engraçado demais como a gente é condicionado a chamar qualquer um de amigo. Bem, ainda tem muita gente. Meu ideal seria ficar com uns cinquenta contatos, seguindo e sendo seguida. Ainda tem gente demais, casa bonita, cão e pássaro de menos.
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A filha de C. me deu as estantinhas da adega dele, as que eram de madeira e podiam ser carregadas, claro, não as de pedra escavadas nas paredes do porão. E me deu um monte de garrafas de vinho. Um monte. Arrumei na sala nova. Hahaha, tou chamando a nossa velha sala de “sala nova”, tentando dar um truque no meu cérebro. Tá funcionando mais ou menos. Arrumei as estantes e os vinhos que já tinha embaixo da escada. Não ficou lindo, mas ficou em ordem. Tem que ter uma gradinha, porque os gatos são pessoas horríveis e xixizentas. Deus me livre.
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As buzinas de motoca aqui no Brócolis são horríveis. Alguma coisa nesse barulho faz minha coluna doer. Descobri que o Tesla também tinha isso. Agora só falta eu ficar genial e seremos irmãos gêmeos.
(sem brincadeira, é aflitivo ler como a maluquice minha se parece com a dele)
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Mudei de xampu. Tente não invejar demais a minha vida emocionante.
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De quando em vez aparecem uns idiotas? Sim, por Baco. Sim. Sim. Sim. Meu Deus, a vontade que eu tenho é perguntar “Oi, flores, vocês poderiam morrer? Grata.”
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Eu queria que alguém me dissesse “Por favor, passageiros para 2023, dirijam-se ao portão 8. O embarque ocorrerá em quinze minutos”. Mas ainda é 7 de janeiro, meu bem, como acaba de me lembrar a Krysse.
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Na minha cabeça, chamo você de meu bem.
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Arrumar a casa tem um efeito calmante sobre mim. Estou quase doce, quase querida. (Sei que desejei a morte das imbecis ali em cima, mas né, merecem demais).
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Tou com muita saudade de comer pamonha. O moço do carro da pamonha sumiu do meu bairro.
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Ouvi uma amiga perguntando pra outra se ela não conseguiria “pegar um fim de semana sozinha e ir pra um hotel desses com massagens e ioga” e quase chorei. Talvez, um dia, eu mereça a mesma gentileza. Alguém me perguntando “Fal…”, ou me oferecendo o sofá “Vem, Fal, pelo menos você muda o cenário e…”. Claro que não irei a lugar algum, mas posso sonhar.
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Minha fuga secreta: tenho todos os alarmes das companhias aéreas sobre mudança de preço de passagem para Buenos Aires. E sigo um milhão de B&B em Buenos Aires, de pequenas pensões e hostais. Um dia. Um dia. Não por uma semana, não por dez dias. Por séculos e séculos, por eras. Uma amiga, excelente escritora, diz que na próxima a gente renasce em NY. Eu, de minha parte, gostaria mesmo era de estar em BA. E em silêncio. Solita. Buenos Aires e eu nos reencontraremos e, já que BA com você simplesmente não existirá, irei só. Estarei só. E cada rua será minha, então.
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A S. caiu da cama. Eu me lembro dessa fase da viuvez. Sim, a gente cai da cama quando o marido da gente morre. Outra coisa que ninguém nos conta. A gente cai da cama muitas, muitas vezes. Muitas. Se eu já dormisse na cama altíssima que durmo agora, teria morrido em 2008, sério mesmo.
Uma amiga me disse que a viuvez também tem a fase xixi na cama. Essa eu não atravessei, mas acho que foi porque fiz xixi na cama até os 13 anos. Daí a natureza resolveu me poupar. Pode ser isso.
Meio bêbada, muito triste, muito só, meio assustada. Queria tirar uma foto bem charmosa da minha linda taça pra você ver e pensar Nossa, que coisa mais linda, se eu vivesse com essa mulher meus dias seriam assim banhados em beleza (não a minha – eu não tenho – mas as das coisas, da luz, das maneira incrível como eu disponho a vida), em ordem, em bebidas rosadas e doçuras sem fim, mas você não me lê em absolutamente lugar nenhum, eu mal existo (e sei que já disse isso e sei que estou usando muitas aspas, o que deixa a S. com dó da minha falta de categoria literária) e de mais a mais, não posso tirar foto alguma daqui porque meu entorno está uma zona federal. Só posso me lamentar e fazer frases longas e hediondas. A tradução vai bem, a arrumação da casa vai mais ou menos, a guardação de dinheiro vai péssima, a organização da vida vai pavorosa. Escrevi dois poemas choraminguentos de Saturno para você, um horror sem fim, mendicância, falta de dignidade, já vimos esse filme. O fato de você não me dar a mínima e de nunca ter querido ser meu amigo de verdade não me adianta. Continuo querendo o que quero, continua tudo igual. Quase igual. Espero as suas notícias terríveis a qualquer momento para, então, ah, então. Até lá, nem sei. Comi chester (vou comer chester até 2076), comecei a arrumar os livros de moda, botei metade da casa no lixo. Arrumei uma aluna nova para as sete da manhã das sextas-feiras, perdi a aluna das 16h do mesmo dia e comi biscoitos e cuscuz hoje. Hoje, hoje, hoje. Estou completamente bêbada.