Fazer arroz sempre foi um mistério para mim. Faço. Faço. Mas assim. Não é da minha natureza – e olha, adoro arroz.
O arroz, como quase tudo que amo neste mundo, é que não gosta muito de mim.
Fiz arroz. Botei passas. Do jeitinho que mandava a moça no meu youthibis. Ficou bom. Não incrível feito outros arrozes de passas (que plural triste) que já comi na vida, mas assim. Assim. Assim.
Eu poderia ficar filosofando a respeito do que é bom, do que é incrível e a respeito da maneira que nos acostumamos e quase desejamos o que é bonzinho em vez do que é marabidjôso. Ou poderia aqui filosofar a respeito do ótimo ser inimigo do bom (Oi, Obama, tudo certinho?), de que na espera do inacreditável deixamos passar o razoável e que a vida é feita disso, do morno, do passável. Poderia, claro. Posso.
Em vez disso, como meu arroz mais ou menos, minha carninha, bebo meu vinho cor-de-rosa, leio meu livro que fala a respeito de um mundo que acabou.
Não há problema em buscar o silêncio, submergir, mais uma vez e outra e outra, pintar desenhinhos de roxo e amarelo, voltar à tona para pegar mais ar, mergulhar de novo, tomar outra taça, digitar uma longa mensagem de três parágrafos e apagar tudinho, letra por letra. Não é bom, não é terrível, não é feliz, não é trágico. É meu arroz com passas e minha respiração.
– Adriana Calcanhotto lê “Secretário dos amantes”, de Oswald de Andrade – cena final do filme Frankie & Johnny – cena final do filme Lost in translation – Créditos de abertura da série Only Murders in the Building – Ensaio para o 85th Academy Awards – elenco do filme Os miseráveis: HughJackman, RussellCrowe, AnneHathaway, AmandaSeyfried (esquema Canção-Intérprete) ‘Round Midnight – Thelonious Monk A la claire fontaine – Têtes de Chien A secret burning – Wim Mertens A spoonful of sugar – Julie Andrews Adiós nonino – Bebo Valdés e Federico Britos Águas de março – Rosa Passos e Yo-Yo Ma Ain’t got no, I got life – Nina Simone Al Monte – Palo! Alabama – Coltrane Alegria, Alegria – Caetano Veloso e os Beat Boys Algo contigo – Rita Always look on the bright side of life – Monty Python Angola – Cesária Evora Another Saturday night – Sam Cooke Aquarius – elenco do filme Hair Aqui não tem Chanel – Que fim levou o Robin Asilo – Jorge Drexler Até o fim – Chico Buarque e Ney Matogrosso Auld lang syne – Daniel Cartier Autumn leaves – Ahmad Jamal Ay amor! – Bola de Nieve Bachianinha No. 1 – Paulinho Nogueira Believe – AnnenMayKantereit Blackbird – Chase Eagleson Blue world – John Coltrane Blues pra Bia– Chico Buarque Boa Noite – Palavra Cantada Boca do céu – Ava Rocha Bom tempo – Mônica Salmaso Bonjour sourire – Tatiana Eva-Marie e Avalon Jazz Band Borandá – Edu Lobo e Maria Bethânia Brandenburg Concerto No. 4 in G Major BWV 1049 – (Bach) Voices of Music 4K UHD Burn – Ellie Goulding But not for me – Chet Baker Can’t Stop Running – Adam Ben Ezra Canto triste – Edu Lobo Cantores De Rádio – Nara Leão, Chico Buarque, Maria Bethânia Carro velho – Paralamas do Sucesso Chiamatemi Francesco – Arturo Cardelús Cigarette daydreams – Cage The Elephant Clara Crocodilo – Arrigo Barnabé Clube da esquina #2 – Milton Nascimento Colors – Black Pumas Com açúcar, com afeto – Chico Buarque e Maria Bethânia Como é bom ser punk – Língua de Trapo Con aire de tango – Berlin Philharmonic Soloists Concerto #2 de Chopin – Nelson Freire Concerto in D minor – Henderson-Kolk Duo Contigo aprendí – Jorge Drexler Coração vagabundo e Mora na filosofia – Marcelo Vieira Dancing in the dark – Morgan James Dancing with myself – Chloe Feoranzo e Postmodern Jukebox Cover Dentro de mim mora um anjo – Leila Pinheiro Desculpe o auê – Rita Lee Desde que o samba é samba – Caetano Veloso Desenredo –Edu Lobo Desire – Ryan Adams Do you hear the people sing? – elenco do filme Les Misérables Dois pra lá, dois pra cá – Elis Regina Donde estas Yolanda – Pink Martini Don’t let me be misunderstood – Nina Simone Du hast den farbfilm Vergessen – Nina Hagen Eco – Jorge Drexler El museo de las distancias rotas – Jorge Drexler Escape (The Piña Colada Song) – Rupert Holmes Esotérico – Caetano Veloso e Gilberto Gil esperança é a última que morre, A? – Premeditando o Breque Estate – João Gilberto Eu queria um retratinho de você – Mário Manga Everybody needs somebody to love – The Blues Brothers Everyday – Buddy Holly Experience – Ludovico Einaudi Facendo i conti – Tosca e Chico Buarque Feliz Navidad – Playing For Change Fim de semana – Premeditando o Breque Fly me to the moon – Henning May – Foi um rio que passou em minha vida – Paulinho Da Viola (No “Quintal do Zeca”) Friday I’m in love – Choir! Choir! Choir! Futuros amantes – Chico Buarque Galaxy song – Monty Python, trilha do filme The Meaning of Life Game of Thrones Theme – Break of Reality gato da madame, O – Moacyr Franco Gavotte en Rondeau – Segóvia Gente – Caetano Veloso Get Ready – The Temptations Goldberg variations – Trio Quodlibet Good day– Greg Street e Nappy Roots Guajira – Cucurucho Valdés Gustav Mahler: Symphony No. 1 Half – Clanadonia Hallelujah – Sílvia Pérez Cruz Happiness Runs – Donovan Heart shaped box – Nemes Band Here comes the sun – The Beatles How long will I love you – Jon Boden Hurricane – Bob Dylan I can see clearly now – Bobby McFerrin e Judi Donaghy I don’t care if the sun don’t shine – Jerry Lewis and Dean Martin I heard it through the grapevine– Marvin Gaye I say a little prayer – Aretha Franklin I wanna dance with somebody – Megan Davies e Keelan Donovan I wanna hold your hand – Keith Rushing I will wait for you – Michel Legrand If you think you need some lovin’ – Pomplamoose I’ll be home for Christmas – Elvis Presley I’ll follow the sun – Tok Tok Tok In the groove – Jiro Inagaki e His Soul Media In the mood for love – Shigeru Umebayashi Is there a ghost – Band of Horses Janela de Apartamento – Renato Rocha Je ne parle pas français – Namika Joshua Fit De Battle of Jericho – Sidney Bechet La Cathédrale Engloutie – Nelson Freire La luna de Rasquí – Jorge Drexler La vie en rose – Tatiana Eva-Marie e Avalon Jazz Band Lacinhos cor-de-rosa – Celly Campello leaozinho, O – Beirut Leaving on a jet plane – Reneé Domingos L’elisir d’amore: Una furtiva lagrima – Camille Thomas Les contes d’hoffmann: Barcarolle – Anna Netrebko e Elīna Garanča Let’s dance – Chris Montez Life on Mars – The Ukulele Orchestra of Great Britain Ligia – Tom Jobim Like A Rolling Stone – Bob Dylan Língua – Caetano e Elza Soares Linha de passe – João Bosco, Hamilton De Holanda Listen before I go – Billie Eilish Little French song – Carla Bruni lua é um balão, A – Edson Cordeiro Lullaby – Arturo Cardelús Makin’ out — Mark Owen Man in the mirror – The Main Squeeze Marcha turca – Fazıl Say Maricotinha – Chico Buarque e Dorival Caymmi Marry me a little – Raúl Esparza, da peça Company Me vieron cruzar – Camineros Mechita – Silvia Pérez Cruz Ménilmontant – Ainda Dúo Menina, amanhã de manhã – Monica Salmaso Meu caro barão – Chico Buarque e os Trapalhões Milonga de Ojos Dorados – Jorge Drexler, Seba Prada Monster mash – Bruce Springsteen Monster mask – Pomplamoose Movimiento – Jorge Drexler Mr. Bojangles – Sammy Davis Jr. Muito romântico – Arnaldo Gerecht My favorite things – John Coltrane My favorite things – Mélissa Laveaux My funny valentine – The best solo of Chet Baker Nobody does it like me – Carol and Alan Alda sing Nostradamus – Eduardo Dussek Novidade, A – Gilberto Gil Nyboders pris – Scandinavian Rhythm Boys Oh, Carol – Neil Sedaka Olha pro céu – Gilberto Gil Oração pela libertação da áfrica do sul – Gilberto Gil Oración del remanso – Rita Payés e Elisabeth Roma ostra e o vento, A – Ná Ozzetti Outros sonhos – Chico Buarque Ouverture solennelle “1812”, Op. 49 – St.Petersburg Chamber Choir P.S I love you – Billie Holiday Pagodespell – Chico Buarque, Caetano Veloso e João Bosco Palavras do coração – Bruna Caram Palco – Gilberto Gil Patrão, prenda seu gado – Pixinguinha, Donga, João da Baiana, Almirante, Alfredinho do Flautin, Jota Cascata, Jacob Palmieri, Benedito Lacerda, Joel De Almeida Peixe vivo – Milton Nascimento Pelo Telefone – Martinho da Vila, Nelson Sargento e Diogo Nogueira Phineas and Ferb theme song Piano Concerto #2 in C Minor, Op. 18, de Rachmaninoff – Yefim Bronfman e Philharmonica Esa-Pekka Salonen Pierrot apaixonado – Joel e Gaúcho Ponta de areia – Esperanza Spalding Por causa desta cabocla – Jards Macalé Porque era ela, porque era eu – Chico Porque era ela, porque era eu – Chico Buarque Proibida pra mim – Charlie Brown Jr. e Zeca Baleiro Puff, the Magic Dragon – Peter, Paul and Mary Putting it together – George Hearn, Carol Burnett, John Barrowman, Ruthie Henshall e Bronson Pinchot. Quem sabe isso quer dizer amor – Paulinho Moska Querer – Francesca Gagnon Quizas quizas quizas – Ibrahim Ferrer e Omara Portuondo Recuerdos de Ypacaraí – Ainda Dúo Recuerdos de Ypacaraí – Jorge Cafrune Recuerdos de Ypacaraí – Maya Belsitzman e Matan Ephrat Recuerdos de Ypacaray – Perla Resistiré – Adriana Calcanhotto Retalhos de cetim – Benito de Paula Rio Bravo – Dean Martin e Ricky Nelson e Walter Brennan Rubens – Mário Manga Sábado em Copacabana – Dorival Caymmi Sabiá – Nara Leão Saturno – BIN Se ela quisesse – Toquinho e Vinícius de Moraes Sea of love – Phil Phillips Secrets, accusations e charges – McAlmont e Nyman Sei dos caminhos – Itamar Assumpção Sem Destino – Luiz Tatit September – AnnenMayKantereit e MarthaGunn Sexual Healing – Hot 8 Brass Band Shelter from the storm – Bill Murray Should I stay or should I go – Mario Manga Si tu vois ma mère – Sidney Bechet Ska – Os Paralamas Do Sucesso, George Israel Soledad y el mar – Natalia Lafourcade e Los Macorinos Solitude – Ben Webster Stand by me – The Muppets Ständchen – Anne Gastinel e Claire Désert Star Wars Theme – Bill Murray no SNL Stuck in the middle – Tai Verdes Suite Paysanne Hongroise – Jasper Goh e Mao Hayakawa Summer of 69 – Choir Choir Choir! Sundown – Gordon Lightfoot SUNNY – Bobby Hebb e Ron Carter Sway – Puppini Sisters Sweet transvestite – Tim Curry, da trilha The Rocky Horror Picture Show Symphony No. 9 – Beethoven – Daniel Barenboim e the West-Eastern Divan Orchestra Tarde vazia – Ira e Samuel Rosa Tchan Na Selva – É O Tchan Te recuerdo, Amanda – Mercedes Sosa Thank you for the music – Ukulele Orchestra of Great Britain The boxer – Simon & Garfunkel The firebird – The YouTube Symphony Orchestra The fosse – Wim Mertens The glory of love – Paul McCartney’s (de Billy Hill, 1936) The ladies who lunch – Carol Burnett The Shoop Shoop Song – Cher The swan – Yo-Yo Ma e Kathryn Stott The thrill is gone – B.B. King The walking dead theme song This is the life – Amy Macdonald tic-tac do meu coração, O – Ná Ozzetti Tim tim por tim tim – João Gilberto em Roma Todo o sentimento – Chico Buarque Tom’s Diner –AnnenMayKantereit e Giant Rooks Travessia do Araguaia – Tião Carreiro e Pardinho Tua cantiga – Chico Buarque Tube Snake Boogie – ZZ TOP Um gosto de sol / Solar – Gal Costa e Milton Nascimento Umbrella – Choir! Choir! Choir! Under Pressure – Queen e David Bowie Uno – Carlos Gardel Valsa Brasileira – Bruno Alcalde velha a fiar, A – Tiquequê Vida de artista – Itamar Assumpção
Violin Concerto in e op.64, de Mendelssohn – Euregio Academy Orchestra, Judith Stapf, Peter Bogaert Vira Virou – MPB4 Você Não Soube Me Amar – Blitz Você só… mente – Aurora Miranda e Francisco Alves Vogue – Madonna Vois sur ton chemin – trilha do filme Les Choristes Walk on the wild side – Tok Tok Tok Way Down We Go – KALEO When the party’s over – Billie Eilish Xote de Navegação – Chico Buarque Ya Rayah – Rachid Taha Yellow Submarine – The Beatles You don’t know me – Ray Charles You make me wanna…, Superstar, U don’t have to call, Nice & Slow, Confessions part II, My way – Usher Young at Hear – George Cables Your Song – Elton John Your song – Henning May Zorba’s Dance
No dia em que a mulher se dá conta do que aconteceu – difícil dizer se ele ainda não sabe o que fez ou se finge que não percebeu, pois é um desses pobres meninos distraídos de quase sessenta anos –, devidamente apropriada da realidade (ela também quase sessenta e burra de doer), deve se alimentar só de pêras. Suculentas. Molhadinhas. Não tão doces. Não tão duras. Pêras boas de morder.
O fato de o cara ser um imbecil e de querer uma mulher totalmente medíocre, que não o quer, não é problema dela, nunca foi, nunca será. O fato de o cara não enxergar a mulher incrível que ela é, não é problema dela. Tal mulher deve cancelar todos os alunos, a reunião com a sócia e deve tomar um banho e lavar a cabeça com um xampu caro. Ela deve vestir algo colorido, viscose, poucos botões, alguma coisa larga e fluida que lhe empreste a graça que ela obviamente não tem e que lhe dê a impressão de que é bonita. Bem bonita. Ela, durante o dia, deve comer suas pêras suculentas e firmes, uma depois da outra, enquanto lê um livro gentil, meio engraçado, meio fatalista, meio cruel. No meio da leitura, ela deve tirar umas sonecas intranquilas, respiração sincopada de quem chorou – ela ainda não chorou, talvez não chore mesmo. A semana anterior, ela pensará, começou com o tal pobre menino atacando-a com agressividade inacreditável. Hoje, na segunda-feira pós-apuração de urnas, ela entendeu o motivo e dá uma fungadela enquanto estica o braço acima da cabeça para apanhar mais uma pêra. É estranho, ela pensa consigo, dessa vez não doeu tanto.
Ainda assim, o dia pede delicadeza, calma, silêncio, pêras. Talvez essa mulher tenha gatos, talvez ela tenha um cão. Apesar de negligenciá-los emocionalmente durante todo o dia, ela deve colocar comidinha limpa e água para eles e cuidar de tudo que os envolve e deve ser verificado. Eles não têm culpa de coisa alguma, especialmente da imensa tristeza dela. O dia dessa mulher deve terminar cedo, com uma derradeira pêra, meio amarela, meio rosada, costas no armário da cozinha, olhos fixos na pia onde, de cabeça para baixo, há muito secas, canecas coloridas esperam resgate no escorredor de louça. Não haverá salvação para nós, minhas queridas, pensa ela, certamente enlouquecendo. Depois, sim, outro banho. Breve dessa vez, um sabonete de flores, sem esponja dura, sem lavar os cabelos. A mulher precisa vestir uma calcinha confortável, uma camisola leve, bonita, rosa ou creme. Deve ligar a tevê num filme, mas nada que fale de amor, felicidade conjugal, tristeza conjugal, com fim triste ou feliz, musiquinhas fofas.
Hoje a mulher precisa de zumbis, pontes desabando, assassinos seriais comedores de orelhas, policiais viciados em cocaína dando surras homéricas em mafiosos. Amanhã, não, ela não se sentirá melhor. Mas estará viva. Provavelmente.
Nunca mais baixar a guarda ao ponto me colocar tão vulnerável a ponto de permitir que uma pessoa me dê tanta porrada em dois ou três parágrafos: eis aí um excelente plano de vida.
Não sei se será possível, pois conhecida sou por me colocar na alça de mira dele sempre que possível. Eu peço. Sei disso. Acho que, em algum lugar da minha cabeça triste e machucada, se não vou receber amor, tudo bem, pode vir porrada. Pelo menos recebo alguma coisa.
Chorei tanto na análise essa semana, que, pela primeira vez em anos, na hora de ir embora, o Dr. Luís Estevão me abraçou, passou a mão no meu cabelo e disse “Minha querida, vai passar”. Saí de lá em choque, desnorteada, meio trêmula.
No mesmo dia em que subo um texto em que digo que a maneira como tratamos nossos frágeis, nossos vulneráveis e os que escanaram o coração é uma escolha, ele resolver me agredir em trinta linhas de ódio imenso, tratando-me com crueldade, mas principalmente com uma condescendência inacreditável. Entendi que foi a condescendência que mais me doeu. Ser tratada como uma imbecil toca em pontos meus que não devem ser despertados.
(o cara algum dia da vida dele usou da mesma veemenência para elogiar qualquer um das dezenas de texto lindos, lindos que escreve para ele ao longo dos últimos anos? Não. Estes ele alegremente finge que não leu.)
Na volta, pedi para o Anderson parar no belíssimo açougue da avenida Santa Catarina, onde comprei um ainda mais belíssimo peito de frango.
O Anderson, apavorado com meu estado, estacionou o carro e desceu comigo.
Em casa, depois de prometer ao Paulão que mandaria logo o texto novo, foi delicioso e terapêutico picar cebola, cenoura e chuchu em cubinhos. Mesmo. Fiquei um tempão fazendo isso. Laminei alho numa espessura que faria minha boa tia Etelvina sorrir. Fatias transparentes de alho.
Montinhos de alho e da cebola foram separados para fazer arroz. Sim, arroz. Resolvi seguir a receita dos velhos etruscos – nada de batata na minha canja, grata.
Vegetais, frango, caldo, arroz e eis que tenho uma canja fumegante na minha tigela (tomo sopa, no mais das vezes, numas caneconas muito maravilhosas).
A casa só para mim e Otelo. A canja fervendo. O cérebro, idem.
Sentei-me na frente duma gigantesca de vinho tinto, canja linda, mesa impecável e comi e chorei.
Não sinta pena de mim. Não faça isso.
Mereço cada segundo dessa dor. Cada segundo.
Tentei filosofar, saiba.
Queria dizer coisas profundas e definitivas sobre dor, desamor e o ódio que, por vezes e involuntariamente, despertamos em quem absolutamente queríamos fazer com que nos amasse. Como se alguém tivesse poderes para isso.
Queria uma solução.
Queria um alívio.
Não tenho, mesmo.
Mas tive minha sopa linda, um chileno muito honesto, tempo. Tempo. Tenho nada além disso.
Mas, disse o analista, vai passar. Um dia.
Um dia.
(mais tarde no espelho, constatei que o choro tinha me deixado com o nariz do Palhaço Carequinha, o que me fiz rir pela primeira vez desde domingo)