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Uma casa na serra

A tarde era perfeita com aquele sol raquítico filtrado pela névoa do outono.

A estrada estava quase livre e pelo caminho conversávamos de quase tudo: da bolsa linda sozinha na vitrine, das oscilações da bolsa de valores, aos discursos em defesa de falar errado e suas implicações.

Vez ou outra uma de nós indicava algum ponto na estrada: uma luz fugidia, alguma árvore florida, o portão de algum sítio.

Fazíamos trocadilhos e piadas de quase tudo e puxamos do fundo do baú situações vividas várias décadas atrás. As tristes e as engraçadas.

Num determinado trecho fizemos uma conversão e cerca de dois quilômetros à frente entramos na mata por um caminho que só os iniciados poderiam encontrar.

Dali, rodamos algumas centenas de metros por um declive pedregoso e fizemos uma curva acentuada. O possante volkswagen encarou firme uma íngreme picada na montanha, estreita e escavada pela chuva.

O cheiro do mato invadia nossos cérebros, refrescando nossos narizes e almas. Uma espécie de silêncio denso e confortável nos aninhou.

O carro rodou por cerca de três quilômetros de caminho ascendente por dentro da floresta e imbicamos diante de um portão de ferro largo, de desenho simples que deixava ver uma casa pintada em bege rosado que tinha, em todos os cantos, lindas trepadeiras floridas.

Entramos numa varanda elevada que dava para um gramado muito verdinho, cortado de alamedinhas guarnecidas por plantinhas de folhagens de diversas cores e algumas flores.

Logo na entrada da casa um plátano adulto, largo e solene se debruçava sobre o quintal.
À esquerda, longe da casa, um grupo de árvores velhas e duas delas, pareadas, formavam uma espécie de portal de acesso à mata.

A casa era uma versão simplificada de uma casa na Úmbria. Formal, despojada, mas acolhedora.

Logo que chegamos, Silvia calçou longas galochas amarelas e foi para o jardim molhar suas flores, arrancar as pragas, vigiar o crescimento delas.

Nós a acompanhamos. O entusiasmo dela ao cumprir as tarefas era contagiante. Eu e a Sandra quisemos também desfrutar daquela alegria.

Do jardim rumamos para a horta e repetimos a operação: limpa, rega e despragueja.

Depois nos sentamos na varanda e lemos, umas para as outras, reportagens dos jornais e artigos das revistas que trouxéramos. Cada leitura era entremeada de longos silêncios ocupados em manducar prazerosamente frutas cheirosas e coloridas.

Jantamos sopa usando pijama e robe quentinhos e meias de lã coloridíssimas.

Depois das abluções melecamos a cara de creme anti-age.
Então botamos um filminho no vídeo e, enroladinhas em mantas macias, bebericamos um tinto encorpado. O filme acabou sem que assistíssemos tantos eram os assuntos.

É eu sei, ninguém quer detalhes do fim de semana de três velhas, completamente despido de aventura ou glamour. Mas não é do passeio que eu estou falando. É da amizade.

Velhas amigas, só elas, permitem que mesmo não dizendo nada haja total harmonia no convívio.

Só com velhos amigos podemos ocupar o lugar que nos pertence ou partilhar qualquer espaço sem constrangimento, sem explicações.

Depois que a amizade completa bodas de ouro não nos sentimos encabulados pelos nossos vexames, nossas gafes, nossas idiotices, nossos sonhos bobos.

Permitimo-nos total intimidade e confessamos nossos erros ou calamos sobre os enganos uns dos outros.

Podemos ser submissos aos velhos amigos e podemos ditar o que eles devem fazer de suas vidas.

Velhos amigos testemunharam nosso passado e dessa forma confirmamos para nós mesmos que nossas lembranças são fatos e não fantasias.

Para termos velhos amigos não precisamos ser tão velhos assim. Basta ter uma história em comum, estar próximo pela confiança, pela generosidade, pela lealdade e alguns segredos partilhados.

Você só constrói grandes amizades, sólidas e valiosas, se for torcedor fiel do seu amigo. Isso implica em quebrar lanças por ele, aceitar suas manias e fobias, defendê-lo contra os desafetos, e gostar dele, aceitando-o como ele é.

Nunca criticá-lo em público nem em particular. Claro que você sempre pode opinar, mas seja delicado, amoroso e atento ao fazê-lo. Nada fere mais que crítica de amigo querido.

É seu amigo que garante que você vale a pena, que é bom ter você por perto (ou de longe) e que você é digno de amor.

Se estiver em dúvida sobre o que fazer do seu futuro eu lhe aconselho: faça um amigo.

Eu sei que tudo isso parece ranço de aconselhamento, mas eu tenho alguns amigos muito, muito bons. Tão bons que eu gostaria que todo mundo também os tivesse.

Chovendo no molhado

Na nossa carreira evolutiva, quando nos instalamos sobre dois pés, divisamos um horizonte mais amplo.

Nossas mãos ficaram livres para carregar coisas, fazer coisas, cultivar coisas.

Nossa boca deixou de carregar coisas, então nossos grunhidos se desenvolveram, passamos a articular p a l a v r a s. Nós nos humanizamos.

Tudo o que os humanos fazem que não é fisiológico, é cultura.

O galho seco que foi apanhado para alcançar a fruta mais alta, atingir a caça mais distante ou golpear o inimigo desavisado.

A pedra grande e redonda, lançada, para afugentar o predador, a pedra longa e áspera usada para cortar a mandioca e esfolar a caça e o inimigo desavisado.

As roupas para proteger da chuva, do sol, da urtiga, do espinheiro, do formigueiro, do frio, dos parasitas, dos predadores e dos inimigos desavisados.

A ânfora para carregar e armazenar água, óleo, vinho e o inimigo desavisado. 

O lápis, o tribunal, o hospital, a banca de jornal, a praça, o preço, o prego, a prega da saia, a placa de pare, o microscópio, o telescópio, o estetoscópio.

Tudo isso é cultura.

A pintura, a escultura, a música, a dança, o teatro, a fotografia, o cinema, as cores nas roupas, os colares, os piercings, os adereços mis, são facetas da cultura que visam compreender e apreender o mundo e seus fenômenos, seus habitantes e, principalmente, comunicar. Até para os inimigos desavisados.

Quando um grupo fica isolado num só lugar por determinado tempo, os recursos à volta, os instrumentos e as técnicas já constantes do seu arsenal cultural mantêm-se os mesmos, tornando essa cultura empedernida, cristalizada, imutável e chatíssima.

A influência que diferentes grupos exercem uns sobre os outros transforma técnicas, diversifica utensílios, ensina truques, aumenta o instrumental e a compreensão, multiplica possibilidades e avanços.

A mesclagem mostra o ponto de vista do outro, faz aceitar as diferenças, nos faz originais e, principalmente, deixamos de ser o inimigo desavisado.

Aculturação não é só uma necessidade, é uma obrigação.

Como dizem Ivan Lins e Víctor Martins: Somos todos iguais nesta noite.

Somos todos iguais.

Marli Tolosa, psicóloga e pesquisadora

Lembranças

Tive uma amiga de infância, que permaneceu minha amiga até a idade adulta, cuja família era de palhaços desde o medievo, dos teatros mambembes da Europa. Desde antes da descoberta do Brasil, imagine.

Os pais, os tios eram palhaços famosos, que usavam roupas e máscaras da commedia dell’arte.  Minha amiga herdou a roupa e o número que as crianças destas famílias de artistas mambembes faziam pelas ruas. Era uma roupa muito colorida, sapato de polichinelo e chapéu de duas pontas, que tinha argolas que permaneciam erguidas com sinetinhas dentro que, conforme ela se mexia, balançavam dentro da argola. Essas argolas com sininhos ficavam no chapéu, no joelho, cotovelo, tornozelos e pulsos. Ela precisava fazer as cambalhotas sem amassar os sininhos. Era lindo e ela era muito graciosa. O número apresentado ao som de uma música que os sininhos acompanhavam, uma dança que exigia muita destreza física.

Éramos muito crianças. Desde os seis anos eu a vi fazer isso e ficava deslumbrada.

Chegávamos na casa dela e ela tocava ao piano coisas populares que eu adorava enquanto que eu, ao piano, tinha que tocar coisas clássicas como Paulo e Virgínia e Le Lac de Come. Ela se sentava ao piano e tocava, cantando: “Vou-me embora, vou-me embora, prenda minha…”

Eu ficava admirada e achava uma beleza. E era.

Marli Tolosa, psicóloga e pesquisadora

Descoberta

Eu estou completamente louca por este artista. Dimitris Papaioannou é diretor de teatro experimental, coreógrafo e artista visual grego.
O trabalho dele é lindo, elegante, ousado e ele constrói imagens maravilhosas com o trabalho dos bailarinos.
Tem um caminho filosófico no trabalho dele, não é desconectado. Você consegue saber como ele se sente no mundo a partir do que ele cria. Tem uma crítica social no que ele faz.
Tudo é coerente. Ele emprega tecnologia, faz uso de todas as possibilidades disponíveis de luz e cenário, tornando o trabalho integrado.
É uma descoberta recente para mim e é um prazer compartilhar.

Vem cá, meu bem

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Águas Passadas