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A serviço de sua majestade

Os diários da adolescência oferecem uma visão panorâmica de nós mesmos em ação.
Claro que é uma tomada com filtros, luz e ângulos favoráveis.
As feiúras não mostramos. O que é engraçado já que os diários são escritos, teoricamente, somente para nossos olhos (tô tão jamesbondeana, gente!).
Então o nosso glamuroso cotidiano dos doze aos vinte e cinco anos (ou setenta e quatro, quem é que pode saber?) é descrito com belas passagens, lindos cenários e maravilhosos coadjuvantes. Até os figurantes são dignos de nota.
A grande função do diário é mostrar-nos a nós mesmos como somos, como gostaríamos de ser e que pessoa queremos ser aos olhos dos outros.
Essa criação se vale de todos os sujeitos que idealizamos ou isolamos aspectos e atributos que nos encantam em qualquer um.
Adotamos a gestualidade, linguagem, conceitos, preconceitos, estilo, cor de cabelo, roupas “et caterva” dos nossos amigos, professores, ídolos esportivos ou das artes e mixamos criando o ser ideal – que  eventualmente pode acabar se revelando um monstro.
Ainda assim, na escrita do nosso diário, chegamos o mais próximo da perfeição possível, seguindo as normas criadas por nós mesmos e que obedecem aos mais altos padrões de excelência que conseguimos atingir.
O bom é que, ultrapassada determinada fase, conseguimos retirar a sopa desse melting pot e passá-la por um cadinho com o que nos convém (quase sempre).
E passamos, então, para a próxima fase, da qual a Fal costuma falar tão bem e com tanto entusiasmo (entusiasmados demais dirão alguns, não eu, que sou mãe amorosíssima): os diários de adultos. Os diários que, se tudo der certo e prestarmos atenção às aulas da Fal, escreveremos em nossa vida adulta, mesclando intenção, ação, egotrips variadase declarações definitivas, fazendo um registro que é, ao mesmo tempo, “testemunho e profecia” (eu cito minha filha mesmo).

São Tomás de Aquino nos diz que se nos esforçamos para exercer as virtudes que desejamos possuir por bastante tempo elas acabam se tornando nossa segunda pele.
 Os diários são perfeitos para nos auxiliar nisso, no papel ou na tela.

Viva os blogs.

Então, inté jacaré.

Marli Tolosa, psicóloga e pesquisadora

Sempre houve Jacques Tati

Eu me lembro da Mére Cristol falando de Mon Oncle, num parênteses da aula de religião, há algumas décadas.

Fui ver o filme da mesma forma que eu ia à missa: dever de ofício.
Em alguns domingos, logo depois do almoço, eu rumava para algum cinema do bairro para a matinê.
Quando eu era menina todos os bairros tinham cinema, geralmente mais de um.

Ao voltar para casa, mamãe perguntava sobre o filme e eu narrava, com requintes de detalhes que beiravam a tortura. Ela me ouvia circunspecta, aprofundando vez ou outra a ruga entre os olhos.

Não depois da conversa sobre o filme de Jacques Tati.

Senti que algo escapava à mamãe por falta de competência minha em falar do que vira.
Eu não sabia como descrever o que a tela mostrou ao apagar das luzes.
Narrei, mais ou menos na sequência, as aventuras do menino e seu tio mas havia todas aquelas nuances de cinza e os espaços vazios – tão diferente daquilo que Hollywood nos mostrava.
Também a ironia fina que não se escondia nem mesmo ao olhar tosco de uma menina que começara o ginásio.

Pela primeira vez pude me identificar com uma personagem do cinema.

As comédias românticas traziam heróis que eu achava velhos ou que tinham um jeito de viver diverso demais do nosso, como as histórias de fada que eu lia.

Naquele tempo, dez anos dopo guerra, eu não conseguia me aperceber do fim de um estilo de vida. Tati anunciava a nova Paris, nova ao som do jazz contrapondo-se à velha Paris embalada pelas canções ligeiras tão francesas.

Há também no filme poesia, cada tomada é um verso e isso  impressionou a alma e a mente de quem se expunha ao olhar vago específico (expressão de Millôr Fernandes) do cineasta francês.

Ganhei uma coleção de filmes de Tati e, por isso, voltei à infância.

Marli Tolosa, psicóloga e pesquisadora

Um passeio

Então, minha mãe me vestiu para sair. Muito arrumadinha, lá estava eu num vestido de veludo marrom de gola xale de renda branca, luvinhas e equilibrando a cabeça sob um laço improvável, segurando as madeixas rebeldes.

Rumamos, mamãe e eu para uma aventura no meio da semana. Eu não sabia nada do que ia acontecer porque não havia qualquer possibilidade de questionar as decisões maternas.

Descemos do ônibus e caminhamos um pouco de mãos dadas até chegarmos a um prédio amplo cheio de cartazes coloridos.
Dirigimo-nos a um guichê onde ela me instalou diante de si, encostada ao seu joelho, meu rosto querendo esbarrar na parede à minha frente. (Esse era o truque para que eu não saísse de junto dela quando precisávamos soltar as mãos)

Resolutamente atravessamos o saguão de pé direito altíssimo, entramos numa sala imensa cheia de cadeiras cor de vinho e ela procurou um lugar para nós duas onde não houvesse alguém que impedisse a minha visão.

Ficamos ali sentadas e eu já achando tudo bonitíssimo, as luzes, os chapéus de mamães e filhinhas, o rumor de tantas vozes, a cortina grená, a música enchendo a sala.

Ao meu lado sentou-se uma família inteira, pai, mãe dois meninos e duas meninas. Quando um deles pediu ao pai para passar o saquinho de doces, um apertão no braço impediu-me de olhar.
Lição número um para conviver com estranhos. 

Foi então que as luzes se apagaram, parte delas de início, todas elas a seguir e a cortina se abriu. A tela branca encheu-se de imediato de imagens em branco e preto enquanto um instrumento de sopro secundava figuras descritas por uma voz masculina muito elegante.

Embora a televisão tenha diminuído a magia desse episódio inaugural, penso que para meus filhos a primeira sessão de cinema tenha oferecido deslumbramento semelhante.

Quero acreditar nisso porque, embora fosse muito pequena na ocasião, gravei para sempre o medinho de estar num lugar desconhecido e escuro, o cheiro daquele salão, os ruídos todos e o silêncio ao eclipsar das luzes.
Principalmente as imagens enormes e o som vibrando no ar. Uma história contada com som e fúria.

E claro, o orgulho da minha mãe por me dar um presente tão precioso.

Marli Tolosa, psicóloga e pesquisadora

Chá da tarde

Alice no País das Maravilhas – filme de Tim Burton – 2010

Não havia, ​em minha infância, tantos livros quantos estão disponíveis para as crianças hoje em dia. As editoras publicavam edições adaptadas. Por isso minha geração leu uma porção de clássicos: A ilha do tesouro, Robinson Crusoé (era escrito assim mesmo), As viagens de Gulliver, A  história do mundo para crianças, Novelas extraordinárias e mais outros e outros conformados a diferentes idades.

Resumida e facilitada, Alice entrou na minha vida e nunca mais saiu.
Relutei um pouco a assistir a versão do Tim Burton, mas acabei capitulando.

A angulação desse diretor, mesmo mantendo passagens da narrativa de Lewis Carrol, mostrou  o olhar, experiências descobertas comuns à adolescência.

Não só ele faz a mocinha fugir do compromisso firmado pelos pais, como mostra a ruptura com as normas familiares de comportamento, o estabelecimento de um código próprio e a transposição de um punhado de dificuldades severas, emprestando a Alice um caráter heroico. Ela salva o reino e se liberta nesse processo.

Os  jovens mitológicos sempre têm tarefas assombrosas para cumprir, com o agravante de não conhecerem a si mesmos ou aos entraves do caminho, as armas e recursos com que podem contar. Foi assim com Perseu, Teseu, Cinderela, Héracles, Thor, Harry, Branca de Neve, Arthur.

Os perigos enfrentados pelos adolescentes têm função e gravidade de rituais de passagem. Só se tornam adultos aqueles que cortam a cabeça do monstro, que mudam o curso do rio, que com as mãos nuas cavam um túnel na montanha, sobrevivem aos perigos da floresta encantada, vencem madrastas e dragões, arrancam a espada da pedra, enfrentam o vilarejo.

Alice tem lá  suas tarefas, desincumbe-se delas aos trancos e barrancos, na maior parte do tempo não compreende o que está acontecendo e tudo se passa num ambiente estranho, com cores de mistério e ritmo de sonho.

A caracterização das personagens no filme me faz lembrar das figuras que minha imaginação infantil criava  ao ler o livro, o que deve atestar a generalidade delas.

Visitei Alice, mais uma vez, e ela me recebeu para um chá.         

Então inté, jacaré!

Marli Tolosa, psicóloga e pesquisadora

Vem cá, meu bem

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Águas Passadas