por Raquel Azevedo

- O senhorzinho sem um dente sequer na boca que vende jornal na entrada da Grand Central (chamada por nós commuters de GCT) que fica na Madison com 48. Quando eu estava grávida, quase toda sexta-feira ele me dava uma rosa. O que me faz lembrar imediatamente de outra coisa.
- Os vendedores de flores que tomam conta das várias entradas da GCT nas sextas-feiras à tarde. A ideia no ano da graça de 2024 é que o marido chegue com flores para a esposa para celebrar o fim da semana de trabalho. Não me recordo de ter visto uma mulher comprando flores. Está na hora de subverter isso ai.
- O completo descaso dos motoristas com os pedestres, ciclistas e motociclistas na Fifth Avenue, em qualquer altura de Midtown.
- Há trilhos de trem favoritos (qualquer um do 36 ao 42) porque ficam perto da saída, e desprezados (23, 33 e 34) porque exigem subidas e descidas de pelo menos uns 150 lances de escada quando se tem meros três minutos até a partida do trem.
- O trem que fecha a porta exatamente no horário da partida, mas fica ali, parado na estação, pelo menos mais uns cinco minutos, esfregando na sua cara a sua ineficiência e a proibição expressa de abrir novamente as portas.
- As pessoas que mastigam como se estivessem moendo vidro ou se consultando com um periodontista.
- As pessoas que comem tudo o que há de mais fedorento e/ou barulhento no universo. Dentro. De. Um. Trem. Fechado.
- As três entradas diferentes para a passagem subterrânea do Rockefeller Center. O fato de que só em uma delas há uma escada rolante que funciona para subir.
- A mudança de sentido das escadas rolantes da GCT dependendo do horário.
- A civilização das pessoas que se encostam à direita da escada rolante para dar passagem pela esquerda a quem está com pressa.
- As faixas exclusivas para ciclistas e os pontos das Citibikes.
- O porteiro do 600 Fifth Avenue que trabalha no prédio pelo menos desde 1776.
- A maravilha do projeto Art déco do complexo do Rockefeller Center, solenemente ignorada pelos turistas no fila da Starbucks ou na lojinha do 30 Rock.
- Do nada você pode dar de cara com o Jimmy Fallon, que é mais magro e muito mais baixo do que parece.
- O senhor grisalho que lê livros encapados de vermelho em russo e latim e que uma vez me perguntou se o que eu estava lendo era romeno ou português, porque ele conhecia Machado de Assis. Ainda existe (muita!) gente que lê no trem, livro de verdade, glória aos fenícios.
- Os andaimes, cones, barreiras, latas de tinta, pincéis, fitas azuis, fitas amarelas da polícia, luvas e botas de construção do quais a gente tem que se desviar o tempo todo.
- As garçonetes sem educação de Midtown que te atendem como se você tivesse pedido a cabeça da mãe delas numa bandeja, rodeada de fatias de abacaxi. E você só pediu uma água.
- As mulheres com kits completos de maquiagem (e até de manicure!) se aprontando quando o trem chega na estação do Harlem. Já fui uma de vocês, companheiras. Agora, no máximo, topo base, rímel e batom.
- A dificuldade de encontrar um assento do lado do trem com a vista do rio que tenha o vidro limpo.
- As pessoas que têm discussões acaloradas no telefone ou que fazem chamadas de vídeos com a família inteira em altos brados. Não me conformo com o fim do “quiet car”, o vagão silencioso que me deu anos de paz de espírito e tranquilidade.
- A impossibilidade de se tolerar os torcedores bebâdos voltando do Yankee Stadium, os universitários do St. Patrick’s Day Parade e os papais-noéis da SantaCon.
- Dependendo da época do ano há que se sacrificar a vista bonita do Hudson na volta para casa porque o sol bate direto no rosto e não há ar condicionado ou protetor solar que dê conta.
- Os murais homenageando mulheres negras e hispânicas nas fachadas dos prédios do Harlem.
- O pôr do sol nas Palisades e os barquinhos passando por baixo da Tappan Zee Bridge, que, aliás, nem se chama mais assim.
- O sentimento de alívio de chegar em casa quando sinto o cheiro de lenha queimada ao descer do trem na minha estação.
Adoro ler seus textos!
Muito contente por voce ler e gostar!