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Terra arrasada, máscaras, coração partido e filmes da Julia Roberts

Atravessamos a terra arrasada, sítios arqueológicos perdidos, campos de camomila, tumbas saqueadas, cidades enormes e terríveis, parques de diversão abandonados, multidões enfurecidas e cheias de razão. Atravessamos a fome, a peste, a morte e a guerra, territórios dos antigos cavaleiros e também a seara dos novíssimos cavaleiros do apocalipse, a ignorância voluntária e a estupidez orgulhosa. Amassamos pão, cantamos nas varandas, amamos o próximo, odiamos o próximo, quebramos o violão no parapeito e tacamos a merda da forma de pão na parede. Usamos máscaras do Snoopy e, vá lá, a N95. Intensificamos o treinamento para o apocalipse zumbi. Perdemos muitas pessoas queridas. Perdemos muitas, muitas pessoas queridas. Suspiramos de desgosto e desistimos de explicar para adultos que pensamento mágico é apenas isso, pensamento mágico. Comemos menos arroz-doce do que o necessário. Não vimos nossos sobrinhos e não beijamos seus cabelinhos o que, como todos sabem, abre um buraco n’alma que nada preenche. Lidamos com os imbecis dum governo idiota, negacionista, anticiência e babaca pacas. Lidamos é modo de dizer. Xingamos e desejamos o mal. Escrevemos bons textos. Ora, escrevemos ótimos textos. Ora, ora, escrevemos textos do caralho. Não choramos em público, mas choramos no banho, quase todos os dias, escorridas pela parede de azulejos, enrodilhadas na poça d’água que a aguinha morna do chuveiro permite. Gritamos no travesseiro. Choramos a morte do Aldir Blanc de forma sincera, um dos últimos grandes desse país tão miserável. Fotografamos como loucas gatos e o cãozinho gordíneo e choramos com as fotos dos cães novos dos nossos meninos porque não pudemos pegá-los no colo. Nem os cães, nem nossos meninos. Preparamos vestidos lindos para ir passear quando a vacina chegar. Compramos até anáguas. Tremei, mundo. Enfrentamos a pandemia como pudemos, ainda, ainda. Cantamos Chico Buarque sozinhas na penumbra do quarto e pode até ser que tenhamos chorado um pouquinho. Fizemos quantidade olímpica de faxina. Cortamos o cabelo em casa – que Deus tenha piedade de nossas almas e da dona Lourdes quando for acertar esse monte de picote. Vimos lives de todos os tipos e até fizemos algumas (perdão, leitor). Tivemos infinita paciência com a arrogância alheia. Infinita. In-fi-ni-ta. Ah, contei que bebemos um bocado de vinho? Se falei, deixe-me reforçar: um bocado. Demos aula para cacete, amém. Plantamos e podamos e sussurramos para que nossas plantinhas não desistissem de nós. Vimos filmes novos e revimos todos os Poderoso Chefão, tudo que o Alan Alda já fez na vida dele e, bem, filmes bocós com a Julia Roberts não saíram de nossas telas. Lemos os livros velhos, aqueles que nos trazem conforto pr’alma, mas o novo do Verissimo, aquele tomo gordão e lindo, foi beijado e abraçado e grifado. Fizemos maionese em casa e a nossa maionese é a melhor do planeta. Não colamos os caquinhos do nosso coração partido. Recebemos e enviamos livros pelo correio e a letra de nossos amigos na folha de rosto nos fizeram estremecer. Tentamos aprender tricô, ficamos furiosas com aquelas agulhas e a contagem das voltinhas e, olha, foi palavrão para todos os lados. Não aprendemos tricô. Fizemos os melhores risotos do universo. Preparamos livros incríveis e lançamos dois, de dois autores novos e queridos, um doce prenúncio dos excelentes livros que a Drops Editora lançará em 2021.

Aqui no Drops o ano foi intenso e maravilhoso e duro e feliz e horrendo e assustador e engraçado e uma esculhambação e sério pacas.

Aqui, no Drops, o ano foi o que pudemos fazer dele, com esforço, com alegria, com coragem, fora da cama todos os dias antes do sol, um amontoado enorme de rascunhos, meia dúzia de livros sempre abertos sobre a mesa, óculos na ponta do nariz, tiaras lindas e brincos-que-balançam, porque, né, a vida é feita disso.

Aqui, no Drops. O ano se desenhou a cada dia com novidades, obstáculos a serem vencidos, estratégia, café recém passado, vestidos listrados, palavras encadeadas, verbo thubi, encontros felizes, cozinha de pano passado e manga picada na salada.

Muito, muito obrigada a você, que esteve conosco.

Se você esteve, foi porque ambos desejamos que fosse assim, porque seu sorriso do outro lado da tela, neste ano quase que cem por cento virtual, ajudou a manter os olhos atentos, a voz límpida, a respiração cadenciada.

Obrigada por você ser quem é.

Desejamos que seu 2021 seja o que você quiser que ele seja.

Força para todos nós. E coragem.

Fal, Suzi e Maliu

18 comentários em “Terra arrasada, máscaras, coração partido e filmes da Julia Roberts”

  1. Adorei o texto.
    As lágrimas, que têm vindo com muita facilidade em 2020, não é de tristeza.
    É um misto de alegria pelas coisas boas que aconteceram com vocês (e até algumas comigo) e de uma leve esperança de que, apesar das consequências de 2020, o próximo ano tem alguns indícios pessoais e no mundo, de que no mínimo, encontraremos o caminho para coisas boas.

    Obrigada por fazer parte do lado bom, divertido, leve, doce e inspirador de 2020.

    Saúde, amor, sucesso sempre e um 2021 com momentos inesquecíveis positivamente.

    Mais uma vez: Obrigada! ❤️

  2. Eu jamais consigo fazer uma retrospectiva, sou demasiado Dory, só continuo nadando. Mas ler a retrospectiva do Drops me emocionou muito porque consegui, se não lembrar, sentir a minha. Sou grata por cada sentimento bom que ler o Drops me proporcionou e pela sensação de conforto e acolhimento quando eu trazia sentimentos não tão bonitinhos assim. Foi um ano em que eu, que sou do riso, me vi chorando muito e nunca temi ser menos querida, aqui, por isso. Obrigada. Podia escrever muito, muito mais, mas o principal é isso: obrigada.

  3. MARILDA QUINTINO MAGALHAES

    Queridas, vocês foram fundamentais para que eu conseguisse manter um mínimo de saúde física e mental em 2020. Principalmente quando um dos meus filhos não aguentou a pressão de tudo e surtou, depois de 8 anos de normalidade possível. Vamos dar conta de 2021!Como dizia meu pai “se não for com deus vai com o capeta mesmo”!

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