por Tina Lopes
Venho do interior e para mim os anos 1970 foram vividos em tons de sépia nas ruas empoeiradas, pés descalços e craquentos, a Telefunken de imagens em preto e branco e verde-oliva, sol inclemente, tratores erguendo fileiras de casas iguais, novenas às quartas, pracinhas novas sem árvores e com aparelhos de ginástica olímpica, rádio AM para limpar a casa. Não líamos, não tínhamos arte, nem quadros nas paredes. Mas íamos ao cinema. O cinemão americano não nos dava mais um Cary Grant para suspirar, mas a instabilidade genial de Jack Nicholson, que podia aparecer como louco, loser, detetive, sedutor.
Lotávamos os cinemas de rua para assistir Lúcio Flávio, Passageiro da Agonia, e Dona Flor e Seus Dois Maridos (sucessos estrondosos de 1976), junto com as pornochanchadas e os filmes dos Trapalhões, dois opostos morais em produções pobres e mal-acabadas que eram, no conjunto, a nossa cara.
Mas é Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues (uma liberdade poética, porque foi gravado ainda na década de 1970, mas lançado no começo de 1980), o filme que considero o nosso retrato, o tal do zeitgeist.
Tem música do Chico, tem a Transamazônica, tem o corpo e o enfado de Betty Faria. Tem um certo companheirismo, sexo, o pai da Cleo Pires sendo absolutamente lindo e diáfano, tem poesia (“quero ver o mar, o rio já não chega pra mim”, diz Fábio Jr.). E tem aquele que sempre foi chamado de “nosso Jack Nicholson” – o saudoso José Wilker.
Você sabe: a Caravana Rolidei faz espetáculos mambembes para o povo mais humilde dos confins do Brasil e segue numa road trip precária até Altamira, no Pará, destino final da estrada aberta em plena floresta. O filme é divertido, tem ótimos diálogos e atores. Imagino a aventura que foi essa produção, em diversos níveis, inclusive o esforço para driblar a censura. O roteiro não é sutil ao mostrar um país sendo, ao mesmo tempo, descoberto e destruído. Altamira fica relativamente perto de Serra Pelada, então no auge. Anos depois, o Lorde Cigano reaparece para desbravar Rondônia e eu só lembro da soja, um mal trocado pelo outro, formas diferentes de desmatar e devastar.
Se da primeira vez você ri largado, nas seguintes Bye Bye Brasil resulta numa diversão amarga, pois é um espelho poderoso e atual. A gente quer ver neve no sertão. A gente aceita que “nesse negócio de amor dá pra improvisar, mas sacanagem tem que ser muito bem organizada”. Adula o político, mesmo o minúsculo; faz vista grossa pra prostituição, se identifica com o ilusionista – que por um lado é vítima, tentando fugir da colonização da TV, mas leva aos cafundós os espelhinhos para os índios que nunca ouviram Bee Gees. E a gente se achava esperto porque sabia escrever com o ipsilone.
Tina Lopes é jornalista e trabalha como mercenária (frila de conteúdo) e pode ser encontrada aqui: https://twitter.com/TinahLopes