Livro de poesias de Fal Azevedo
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Saturno às vezes é uma pessoa, noutras é um lugar. A confusão entre um e outro é importante. Trata-se de pessoa incomum dotada de geografia misteriosa. Mais, é uma província eternamente separatista. No momento de ser alguém, então, Saturno fala de si, mas tão para dentro, que atinge o avesso, acabando por se referir a todo mundo. É uma nação sem terra. Isso e aquilo, e os soturnos preferem tal ou qual. A enunciação indireta é uma constante, a diferença é que nesse caso, produz-se um chiado, um ruído que tende, incerto, entre tons, quase como uma estação de rádio, sucessivamente achada e perdida, da qual se sabe, mais ou menos, a posição.
Para começar a falar, Saturno precisa se fazer nostálgico. Apesar de não ir a lugar nenhum, faz-se cúmplice do passado, de fantasmas, de como as pessoas pareciam se sentir antes etc. Essa inflexão é que o torna indireto, de saída. A nostalgia o impele a não arredar o pé do presente e a reproduzir, conforme o som, algumas expressões cotidianas. Não por etnografia ou linguística, mas para fazer graça com as palavras. Se começam a assumir gravidade, dispensa a instituição de um dicionário, que lhe renderia autoridade, e abandona os antigos termos como a quinquilharias. A nostalgia impõe que Saturno represente a si mesmo, e aos outros, e assim pode preservar sua intimidade na passagem dos dias. As coisas envelhecem mais rápido em Saturno, milhões de anos luz e há cinco minutos estão na mesma cristaleira. Há instantes, Saturno tinha tudo, todo o tempo do mundo, de repente, antes de se esconder na esquina virada, não tem mais o que perder, ou seu tempo acabou.
Tudo nele pode ser visto, porém, por mais que se mostre, é impossível vê-lo todo no mesmo momento. Os soturnos são intimistas. Eles obtêm intensidade graças ao fato de restarem sempre em alguma última sombra. Assim animam suas cores. Saturno, por sua vez, alimenta-se do charme insano das pessoas, que pode ser apenas imaginado por ele. Como saber, se não concede mais do que a realidade? Acaba por absolver a todos a quem suspeita suficientemente perversos, numa espécie de dúvida razoável, das séries de advogados, passantes às madrugadas.
Se observados os versos escritos em Saturno, notar-se-á que são comidos nas bordas, como feitos de frases encurtadas, bilhetes à onírica das relações. A sua gravidade, ao contrário do que acontece na Terra, não achata os versos, mas, curiosamente, comprime-os, como numa lógica de hipersensibilidade à saturação de tinta. Assim, os versos lá escritos são feitos por ‘pronto, já chega’ e ‘tá bom, agora outra linha’. Lá, a poesia é uma ampulheta em que os grãos são, agora sim, achatados antes de cair, isso não acontece em nenhum outro planeta do nosso sistema solar.
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