Eu era mocinha quando li essa cena pela primeira vez e tinha lá minhas muitas convicções sobre suicídio. Eu era burra, jovem demais e tal e tal. Fiquei muito impressionada porque o velho é muito, muito hábil das descrições, na ambientação, na recriação do diálogo interno de cada personagem. Se ele fosse produzir uma série de tevê em vez duma novela, certeza de que haveria um roteirista com equipe para cada personagem e, ainda assim, a coisa toda não chegaria aos pés do que ele produzir sozinho. Lamento meu francês ser tão pobre (isso é um jeito fofo de dizer que meu francês inexiste), porque deve ser lindo ler essa obra em francês. Tive, por oito anos, um marido que lia lindamente em francês e, burra (de novo), nunca pedi para ele ler para mim.
Enfim, véia, alquebrada e muitíssimo sabida (ria, D., essa é a deixa), estou muitíssimo mais confortável com o suicídio e seu universo tão delicado, entendo razões, racionalizações, explicações deste e daquele lado e sinto imenso carinho pela ideia e seus bravos praticantes.
PS: Adoro o musical, suas canções cafoninhas, as interpretações rocambolescas. Não é o livro, evidentemente, nada é o livro além do próprio, mas curto o filme, sim. Além do mais, esse australiano é uma delicinha. Ah, claro, não vi a peça.
Livro: Os miseráveis (Les misérables), autor: Victor Hugo, 1862
Filme: Os miseráveis (Les misérables), direção: Tom Hooper, 2012
No mais das vezes, falo aqui sozinha. Não pense que estou reclamando porque não estou. Zero comentário, zero referência, os dois ou três que leem, fingem que não, o que dá uma confortável certeza de que posso vir aqui, abrir todas as janelas, amarrar a camiseta na cabeça e andar pela casa só de sutiã.
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Um amigo, amigo mesmo – não o que o meu finado marido chamava de “amizade de internet” – fica mal e não busca por nós. Ele nos conta o que aconteceu depois, quando tudo melhora. Para além do primeiro pensamento, alívio e alegria por ele estar bem, tento evitar o segundo, que é mágoa por ele não ter me procurado. Cada vez mais, mais pessoas precisam menos de mim. Um pedaço disso vamos colocar na conta de que, sim, ando insuportável. Um pedaço disso, um grande pedaço disso, vamos colocar na conta de que eu realmente não tenho como ajudar quem quer que seja, a minha inutilidade chegou aos píncaros da glória. Mas a maior parte disso nós vamos colocar na conta do: ninguém tem de nos querer. Ninguém. Não tem pedaço nenhum no contrato dizendo que a pessoa tem de nos amar, procurar por nós no susto, na dor, na tristeza da madrugada. Haverei de aprender a me comportar com amigos como me comporto com leitores. Se o cara se justifica (sem ninguém ter perguntado, porque eu jamais pergunto) não ter comprado o livro por falta de grana e aparece no tutíter tomando bitináites com os migos, não me cabe pensar “ué”. Não sou a gerente do banco do cara. Não sou a coach de organização dele “se você não tem tempo de me ler, meu blog está largado, como é que você tem tempo de ver tanto jogo de futebol”. Desse fantasma do imenso e mal-controlado (no mais das vezes quase o tempo todo) ego-bebê-gigante do escritor eu me livrei faz muitos anos.
Agora, além de perdoar o homem que não me ama por não me amar (perdoar dentro do meu coração na esperança de, um dia, voltar a ser felizinha, porque na real ele não precisa do meu perdão para nada na vida dele), preciso aceitar que minha amiga não me quer nas crises. Bem, não em todas as crises. Isso talvez fale mais de mim do que dela. Talvez seja só um imenso é isso aí. Talvez eu tenha me tornado uma pessoa não confiável nas crises. Enfim, em breve, descobriremos. Enquanto isso: deixar para lá e seguir, a arte das artes.
Sim, estou falando aqui, para o vento, elaborando e elaborando. A sessão de ontem foi praticamente só isso. A de terça-feira deve ser isso também.
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O papa e eu tamos com dor no joelho. A diferença é que ele anda apoiado num velhinho que despenca de charme e eu ando xingando mesmo.
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Abri um chileno bastante honesto e quero crer que, depois de três taças, sou uma pessoa boa e gentil. Se eu comprei chilenos porque D. me disse que gosta de chilenos? Mas é claro. Com quem você pensa estar falando?
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Talvez o frio nos alcance. Não percamos a fé. (tá um calor nojento)
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Nem arroz, nem macarrão e nem aveia (que como, muito feliz): couscous. Sou uma mulher decouscous. Acabo de fazer um imbatível, com castanhas, acompanhado de linguiça alemã num lindo molho de tomate (pelo qual sou responsável, fiz do zero) e uma maravilhosa salada de tomatinhos e cebola. Com chá gelado. Queria ter alguém pra contar isso: meu bem, fiz um couscous lindo. A coisa que mais sinto falta na vida é esse partilhar do cotidiano miudinho. Não posso ficar mandando relatório das minhas refeições pros amigos, eu já chateio demais os outros com a minha carência. Então, de novo, volto aqui, com a camiseta amarrada na cabeça. <3
Um livro é o fim de um ciclo – ainda que seja o começo de uma nova fase. Ninguém precisa de mim para dizer isso. * Deixe-me dizer, porém, que um livro pode ser, também, um adeus. Não necessariamente a alguém ou a algum lugar, mas a uma ideia, uma fantasia, uma esperança, um suspiro. * Meus livros, para o bem e para o mal, são despedidas. * Repeti, elaborei, repeti, elaborei, repeti, elaborei, repeti, elaborei, repeti, elaborei, botei no papel, adeus. * Um livro – um livro meu, sejamos específicos – pode ser, e quase sempre é, um adeusinho. Nunca um “até logo”, nunca fui mulher de atés logos (o que é uma pena). Dou adeus e fecho a porta (e queimo a ponte e taco o rei no chão e rasgo seus postais e deleto seu número). * Livros para mim são o fim, não o começo. Meus livros são minha plaquinha de “isso acaba aqui”. A história, a ideia, o caminho, o mundo. Meu mundo. * Meus livros são meu fim e talvez seja por isso que eu demore tanto tempo escrevendo cada um deles. * Acabou. * The end.