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Querido Paulo

Querido Paulo, fui ao médico hoje e me irritei, como sempre. Eles têm o mesmo cheiro que meu pai, a mesma condescendência e deixam a gente largado na sala de espera por anos. Minhas dores de cabeça causam preocupação. Mais remédios, mais maconha. Não vou reclamar. Agora vou falar que são ordens médicas toda vez que acender um cigarro. Preciso ficar quarenta e cinco dias sem sair de casa (ótimo), sem beber (oi?), sem me aborrecer (impossível). Ele disse, evite os amigos e a birita. Quase que perguntei vó, é a senhora?. Hoje não caí em tentação por um triz. Estava triste e cansada, o quadro ideal, mas não cliquei em nenhum site impuro, não procurei fotos, tuítes ou narrativas de nunca fui tão feliz na minha vida. Nada. Nada. Se no tumblr ele tiver escrevendo que finalmente acasalou com a escrota da ex ou fotografando os óculos dela ao lado dos dele e gemebundando que sente saudade, jamais saberei. Entendo que a escrotidão ali é complementar. Não compreendo no coração ainda, mas na cabeça (quebrada) já saquei. Se um dia amigos nos convidarem pro mesmo bar em Botafogo, nem me sentarei à mesa, pois, num monte de situações, a frase do nazista ecoa demais no meu peito. Lidei com a contadora hoje, o que é sempre nhé. Trabalhei zero, mas fiz um monte de planos. Reparei trudia que parei de desenhar a casa dele. Pequenas vitórias. Escolhi o tom de verde da parede do meu quarto e a tinta do armário chama geleia de uva. Ou torta de framboesa. No escritório, capaz de eu meter o amarelo que vai sobrar da varanda da Marli, pelo menos na parede atrás da minha mesa. Decidi que tudo de florzinha vai pra cozinha, tudo de rinoceronte vai pro escritório e tudo de peixe vai pro meu quarto. Gosto demais desse lance temático, cê sabe. Então, claro, a placa de baleia vai pro meu quarto, querido Paulo, pois sabemos, baleia é peixe. É um peixinho que mama, mas eu não tou aqui pra julgar. Lidei com a contadora hoje. Te mandei nota. O divã de Maliu foi reformado e talvez vá pro meu quarto. Vamos ver se vai caber, né. Faço projeções de decoração como se morasse no Quitandinha. O que não seria nada mal. Eu ia ter uns trinta catiorros. Desde que caí, minha mãe fica cantando a música do Samba Lelê pra mim, ou seja, búlim e muito politicamente incorreta. Ela canta e ri sozinha. Comi torta de frango, hoje. Odeio torta de frango demais.

P.S.: Querido Paulo, adorei a sua foto de avatar. Aquele vazio me dava aflição.

Tinta verde

Querido Diário:

Saí usando sapatilhas de lacinhos.

Aprendi, de novo, que quando a gente está morto de pressa, o mundo está relax e não tem hora para nada, demoram mil anos para atender a gente no balcão e checam nosso RG umas 987.572.645 vezes, porque temos essa estampa de traficante internacional.

Eu estava triste, mas Andréa Kogan me ensinou que, em algum lugar dessa cidade, existe mesmo uma tartaruga chamada Relâmpago, o que encheu meu coração de alegria.

Comprei uma caneta verde, o que me fez ficar ainda melhor. Sei que a verdadeira felicidade não está no pérfido mundo do consumismo desenfreado, esse braço armado do capitalismo selvagem, mas defendo, Querido Diário, que as pessoas que escrevem com tinta verde são mais felizes. É como se a tinta verde fizesse deste um mundo mais gentil.

Abracei Paulo e Ana. Vi um pedaço da defesa do doutorado da Cam (precisei sair no meio) e uma senhora da banca citou o Agamben. Acontece, Querido Diário, que um dos meus pavores sobre a aula que vou dar em Goiânia (são dúzias de pavores) é que não sabia pronunciar o nome desse cara. Mas como eu estava gravando, tenho a pronúncia dela e agora é só ouvir mil vezes a fitinha do celular e decorar a pronúncia. Veja você, Querido Diário, tem sempre um jeito nesta vida.

Tomei cacacola com Maloca, vi a cidade (quase nunca vejo a cidade), andei com um motorista de táxi que canta os sambas do Chico Buarque a plenos pulmões (fiquei morrendo de vontade de cantar junto, mas me senti muitíssimo envergonhada, que é como eu me sinto quando tenho que cantar na frente de alguém), tomei canja com Maliu, aula, banho, bananinha passa, e agora vim trabalhar.

Como você vê, Querido Diário, foi um dia cheio de aventuras. Descobri também que o mundo está cheio de pessoas que nunca pedem desculpa de nada, para contrabalançar a existência de gente feito eu, que pede desculpas o tempo todo.

Um beijo da sua,

F.

[2016 – eu nem sabia que te amava quando escrevi isso, achei que te odiava. quando a ficha caiu era tarde mais. ainda é. ainda é tarde demais.]

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Águas Passadas