por Priscila Andrade Cattoni

Sou linda, jovem, eterna. Sou rica! Ri-ca! Alguns dizem que sofro da Síndrome de Dorian Gray. Bobagem! Dorian guardava o seu pior numa tela que envelhecia e se deteriorava por ele. Eu exponho o que tenho de melhor – e como tenho! – em todas as telas. Estou nos quatro cantos das redes sociais. Linda, filtrada, photoshopada. O meu melhor! Sim, meu, eu que editei!
Ainda que de vez em quando, criaturinha triste, acabrunhada, meio patética, chore mirando o espelho. Esse oráculo não requisitado, essa voz da verdade a quem nada perguntei, amálgama perverso de vidro e prata que mostra que eu, eu não existo mais. Pelo menos não minha imagem. Quando olho para o espelho, olhos úmidos inchados e nariz vermelho, quem realmente sou, aquela personalidade, aquele rosto, aquele corpo envelhecem à minha revelia naquele espelho inconteste e privado de todos nós. Ali constato que enquanto tentava virar outra pessoa – sexy-VIP-übermodel – me perdi de mim mesma e me transformei em minha mãe, minhas avós.
Vejo o nariz de meu pai, a boca de minha mãe, o branco pálido dos meus antepassados do leste europeu. Vejo os vincos dos boletos mundanos para pagar, todos ali na minha testa franzida: a conta d’água, o condomínio, o aluguel, o telefone, mercado, feira, plano de saúde, academia. Uma realidade bem diferente da que produzo no meu quarto instagramável. Talvez esteja aí a semelhança que apontam as personagens de Oscar Fingal O’Flahertie Wills Wilde – Oscar Wilde para os conhecidos, Oscar para mim. Pensando bem, ambos temos nossas cicatrizes e marcas do tempo guardadas dos olhos do outro. De todos os outros.
Estou aqui, fragmentada, perdendo-me de mim. Mas o que importa? Tenho centenas de milhares de seguidores, contratos com várias marcas, armário abarrotado de recebidos. Sou influencer. Fala em voz alta, sente o poder: influencer.
Podem me dizer que isso é passageiro, que sou responsável pelas ilusões vendidas para adolescentes e mulheres inseguras com seus corpos normais e funcionais. Seus corpos humanamente divinos.
Quem se importa? Eu, amor, sou famosa. Eu tenho seguidores, eu influencio. Quem sou eu? Nesse maravilhoso mundo distópico de Alice no País das Maravilhas, sou a Rainha de Copas, o Gato e o coelho. Eu sou o poder do nosso tempo. Eu sou a imagem.
Priscila Andrade Cattoni – Poeta redatora, revisora. Fui redatora da revista Mad, publiquei poemas em antologias poéticas, sites e revistas literárias. Idealizei e editei o blog Dedo de Moça por 13 anos. Em 2005, criei e coordenei o Festival Segundas Poéticas, também coordenei, produzi e mediei mesas das edições cariocas da Festa Literária alternativa à Paraty (Flap!).www.priscilacattoni.com
Amei Piti. Muito bom. No meu caso, tb sou eu a editar. Rs
Sempre agradável e doce ler você, querida Pri. Até a próxima leitura. Aguardo você! Bja
Lindona!
Meu rosto, meu editor, rs.
Texto sensacional! Amei!
Querida!
Priscila escreve maravilhosamente bem. Sou fã incondicional. Acompanho o trabalho dela faz tempo.
Oi Pit! Muito legal! Entendo que seja mais dificil para uma mulher, do que para um homem, se relacionar com essa coisa chamada envelhecimento. Hoje encaro com mais naturalidade, aceitando minhas limitaçoes. Bjs
Mas você é gato, baby! <3
Incrível como sempre! Amei Priscila!
Obrigada, lindona!