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Diário de um mundo que acabou: os bolos de noiva da minha avó levavam glacê de manteiga, comida chinesa do boteco é o melhor tipo de comida chinesa, ganhei um creme de jabuticaba da Maliu, o que você diria se eu decidisse mandá-lo à merda

Quando meu marido morreu, precisei parar de dar aulas. Sempre fui professora particular porque a sala cheia de pessoas em base cotidiana me é uma ideia insuportável. Posso encarar palestras: dia e hora marcados, vou lá, falo, vou embora. Tudo bem. Mas sala cheia todo dia, para sempre? Não.
Eu tinha muitos alunos. Sou excelente no mano a mano, sei ensinar, sei entreter, sei contar as historinhas certas, sei me comportar na casa alheia. Mas quando perdi Alexandre, me tornei completamente incapaz de olhar nos olhos de alguém, de falar com qualquer pessoa por mais de dez segundos seguidos.
Passei todos os meus alunos para colegas (menos dois anjos que foram meus primeiros alunos e que estão comigo até hoje, quase trinta anos depois) e me tornei tradutora full time.
Em 2017, achei que era hora de voltar a dar aula.
Ofereci aulas de graça para três amigos, caso quisessem ser minhas cobaias. Dei aula para quem não me esnobou – ainda dou.
Comprei livros. Pedi a duas amigas professoras que me “treinassem”. Estudei, ainda estudo.
Quando voltei a dar aulas em 2018, eu estava pronta. Treinada, estudada, preparada. Claro que ainda estudo um monte e ainda aprendo novos jeitos de fazer velhas cousas. Mas, caramba, como eu me preparei pra fazer um negócio que já fazia desde 1990.
Todo esse chororô é só pra resmungar no meu blog, o único lugar do planeta onde posso resmungar, que, deus do céu, nada me irrita mais do que professor ruim, mal preparado, preguiçoso. E gente que leva aula, especialmente a modalidade online, como se fosse “um bico”, “um hobby”. “Ah, não se tem o que fazer, vamos dar umas aulinhas”.
Que gente nojenta.
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Você está coberto de razão em não me querer: não bastasse todo o resto, meus homens acabam mortos.
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Bordertown, repito, é sensacional. Eu talvez desse uma surra com rabo de tatu na filha e certamente mudaria a abertura e a música-tema, mas os crimes e a solução deles são fenomenais.
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Tem alguma coisa profundamente familiar e calmante no som do giz correndo pela lousa.
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A Maliu me pergunta como vai ser, se vai melhorar, se vai ficar tudo bem e eu digo que sim, claro, tudo vai ficar bem, tudo vai melhorar. Acho que tá todo mundo dizendo isso pra quem ama, né, olha, vai ficar tudo bem. O que mais vamos dizer uns para os outros a essa altura deste maldito campeonato?
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Uma das alegrias de ficar velho, preste bem atenção, é a seguinte: andar pela casa numa calça xadrez de pijama, com uma caneca de chá quente na mão, arrastando as chinelinhas de bolinhas pelo chão. Você é uma senhora idosa, você vai tomar seu chazinho, são seis e quatro da manhã e suas chinelas pelo chão fazem sssshhhhuuu sssssshhhhuuuu sssssssshhhhuuu conforme você chapinha pela casa, toda feliz porque é uma senhora idosa, vai tomar seu chazinho, são seis e quatro da manhã e suas chinelas pelo chão fazem sssshhhhuuu sssssshhhhuuuu sssssssshhhhuuu.

6 comentários em “Diário de um mundo que acabou: os bolos de noiva da minha avó levavam glacê de manteiga, comida chinesa do boteco é o melhor tipo de comida chinesa, ganhei um creme de jabuticaba da Maliu, o que você diria se eu decidisse mandá-lo à merda”

  1. Olá, dileta. Você é um ser que marca. Marcou uma palestra sua que assisti sobre a blogosfera, justamente. Marcou um jantar árabe que tivemos e quando vossa mercê autografou livros pra mim. Tenho orgulho de termos alguns pontinhos em comum, nesse longuíssimo pero efêmero caminho que trilhamos. Beijo e abraço.

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