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Diário de um mundo que acabou

O Brasil elegeu um homem que aparece em rede nacional distorcendo falas do presidente da Organização Mundial da Saúde – e isso bem no meio duma pandemia.

Eu nem sei mais.

*

Laranjas. O que seria de nós sem elas? Os marinheiros sabem disso há séculos. Eles sonhavam com sereias? Sonhavam. Mas ah, as laranjas.

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Estou perdida e consumida por esse lava-lava. O chão tudo bem, lavar chão é lavar chão, não tem grandes atropelos. Mas esse miudinho de lavar copo de iogurte, uvinha, folhinha de couve, pelamordedeus.

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Os dias tem passado absurdamente rápido. Absurdamente, absurdamente.

*

De quando em vez, não ria, abro uma clandestina foto sua. Ninguém tem nada a ver com isso. Abro, olho pra sua cara, fecho a foto, volto pro serviço. Há algo de confortável e familiar em seu rosto que, se formos parar pra pensar, vi poucas vezes ao vivo e a cores para todo o Brasil. Pensei em cometer um “olhar pra você é como voltar para casa”, mas tenho muita vergonha de ser tão ridícula.

Ai.

Agora já foi.

De qualquer forma, lembro do Snoopy citando Thomas Jefferson, “Não se pode voltar para casa” e, no nosso caso, estão ambos cruelmente certos.

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Quando com medo de morrer coletivamente e sem muita coisa para pensar além disso, as pessoas revelam sua fragilidade em minúsculos movimentos, minúsculas deixas, palavras soltas, um suspiro no fim do áudio, um parágrafo desnecessário num e-mail perdido, a indicação dum filme que, se não fosse o apocalipse zumbi, jamais faríamos.

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Ovos fritos. O que seria de nós sem eles? Ovos fritos são o Brasil que deu certo.

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Acabei Ozark com enorme dor no coração. Não queria que acabasse. Mas que série, que série.

Comecei outra, chata, chata, ruim, ruim, parei. Volto para los nouregos que, mesmo reprisados, são sensacionais.

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Mamãe fez bacalhau à gomes de sá, eu abri uma garrafa de vinho e foi esse o almoço-em-meio-ao-caos. Porque vamos mesmo morrer, mas olha, cercadas de glamour.

*

Alguém me disse que viu estrelas da janela do quarto, em plena São Paulo. Corri para o meu próprio céu e elas estavam lá. Que coisa mais triste ser preciso uma pandemia preu ver meia dúzia de estrelas. Que coisa mais linda a minha particular meia dúzia de estrelas.

10 comentários em “Diário de um mundo que acabou”

  1. Ah!
    A nossa particular meia dúzia de estrelas é sempre linda.
    Tão bom de ler, viu? Dá alento nesses tempos pandemicos.
    É isso e não isso só.
    Tiamu.

  2. Também adorei Ozark. Los noturnos significa Trapped? Vi a primeira temporada por indicação sua e adorei.

    Sempre lavei tudo que compro. Deve ser por isso que detesto fazer compras.

  3. Reflexões a respeito das reflexões sobre o quase fim do mundo… Ovos fritos e glamour são fundamentais. Acho que mais gente do que imaginei foi olhar as estrelas do céu. Já passei cem vezes pela Ozark, mas estava esperando as críticas. Eu tenho rezado à noite e essa é a revelação!

  4. A combinação Bacalhau + vinho é, comprovadamente, capaz de mitigar os efeitos do caos! Pelo menos enquanto dure a refeição e os efeitos do precioso fermentado. Obs: Os efeitos mitigadores perdem um pouco de poder durante a lavagem da louça…

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