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Bolero faz 21 anos

Bolero faz 21 anos.

Isso é um bocado de tempo para um gato.

Na verdade, acho que também é um bocado de tempo para gente. Lembro-me de me sentir completamente esgotada aos 21 anos.

Por favor, permita-me agora louvar as muitas qualidades de Bolero.

 Bolero é um gato bom.

Ele é um gato gentil. E foi calmo a vida toda.

Sempre gostou de brincar.

Sempre gostou de outros gatos.

Talvez por ter sido muito bem-cuidado pela gata adulta que tínhamos quando ele chegou, Bolero foi um gato muito querido com bebês gatinhos. Nunca bateu, nunca ameaçou, nunca se mostrou impaciente com as brincadeiras dos pequenos.

Bolero também gosta de cães – com alguma reserva. Se o cão é mais na dele, como era nosso Baco, Bolero fica de boa.

Se o cão é alegrinho e amiguinho, como é nosso Otelo, Bolero conversa um pouquinho, dá umas lambidinhas e dorme junto. Sempre banhado em graça e dignidade.

Bolero é, também, um gato que gosta de pessoas, mas não foi sempre assim. Durante muitos anos ele se escondia quando visitas chegavam. Não sei como, mas ele se fazia caber debaixo do fogão. Tive um grupo de amigas que o chamava de gato invisível.

Com a idade, isso mudou e, de muitos anos para cá, ele se senta no sofá com as visitas. Ainda banhado em dignidade e graça troca algumas palavras com os visitantes e, se a pessoa for muito educada e gentil, Bolero permite que ela o alimente com biscoitinhos com patê.

Quando nos mudamos para essa casa, Bolero descobriu a rua e, durante anos e anos, fui obrigada a dividir sua guarda com o vizinho que mora três casas abaixo, porque ele amava passar temporadas lá. O moço o alimentava com peixe cru e tocava Chopin para ele. Juro. Ele voltava de lá gordinho, mimado, com o pelo brilhando e usando colarzinhos verdes ou cor-de-rosa ou alaranjados.

Bolero sempre foi um gato de turminha. No apartamento onde vivíamos, ele e os irmãos faziam bolinho e passavam a tarde toda dormindo em nossa cama. Com a morte do Alexandre, mudamos de casa, mas a turma não se desfez. Acontece que, com o passar dos anos, os gatinhos, todos mais velhos do que Bolero, foram morrendo.

Sobrou Bárbara Manteiguinha Batatinha Maluquinha, sua irmã preferida. Eles foram uma dupla feliz por anos e viviam à parte dos outros gatos da casa, num mundo deles.

Quando ela morreu, temi por Bolero. Achei que ele fosse ficar sozinho em seus últimos anos.

Acontece que ele é querido e bonzinho e tem um cheiro delicioso. (Bolero parece ter caído num caldeirão de colônia Contouré quando era pequeno).

Por isso, os gatinhos mais novos da casa, especialmente a mais bebezinha, são apaixonados por Bolero. Para não mencionar o cãozinho, que é louco por ele.

Eles adotaram Bolero e o transformaram no chefe da matilha (gato em matilha? Uai, os meus, sim).

Eles se deitam em volta de Bolero para esquentá-lo. E lambem sua carinha e seu pescoço e brincam com ele, ainda que ele não esteja mais para altas brincadeiras, e fazem aqueles barulhinhos de gato para ele. Bolero não fica sozinho porque os bebês (que não são, absolutamente, bebês), fazem bolinho em torno dele. Bolero é um gato-ilha cercado de gatos por todos os lados.

Bolero jamais come sozinho, porque Chico vai com ele e nem sonha em roubar sua comidinha-de-gatinho-velhinho-e-sem-dentes. Ele vai com Bolero só para fazer companhia. Quando Marli entra na cozinha e vê os dois juntos, ela pergunta “Ei, Chico, está fazendo ato de presença? ”.

Bolero é especial também porque ele é o último dos gatinhos de Alexandre. Alexandre adorava gatos. E Bolero é o último de seus gatos vivo. Ele é o último gato que conheceu Alexandre e dormiu em seu colo e foi batizado por Alexandre (que batizava todos os bichos com nome começados por “B” para que fossem todos “B de Bibi”). Bolero conhece a Riviera de São Lourenço como ninguém, porque foi o único gato que Alexandre levava conosco para as viagens para a praia, primeiro porque ele era o bebezinho da casa (Bolero já foi o bebezinho) e tínhamos medo de deixá-lo com os grandes – “E se eles baterem em Bolero?” “E se ele sentir medo sozinho no apartamento (com mil outros gatos) todo o fim de semana?” Depois, porque Bolero se tornou uma excelente companhia para viagens. Era ótimo tê-lo conosco e ele gostava de andar na praia e se enfiar na areia.

Quando Bolero chegou dentro de uma caixa de sapatos, Alexandre abriu a tampa e fez um barulho não humano do tipo nhóóóóóiiiiim. Ele dormiu na nossa cama naquela noite (e nas muitas noites depois dessa, mamando no cabelo de Alexandre e falando “miu, miu, miu”).

Eu poderia continuar contando como ele comia manteiga de amendoim no colo de Alexandre durante o café da manhã, ou como ele se deitava na barriga do Alexandre para ouvir música, ou como ele ficava deitado ao lado do box enquanto Alexandre tomava banho, miando desesperado porque o pai estava preso naquela caixa envidraçada, cheia de vapor e água quente.

Bolero faz 21 anos hoje. Ele é um gato muito querido. Tem olhos feitos de montes de camadas de azul e uma manchinha branca na boca e no peito e pezinhos de meia. Ele gosta de sachê, agora que não tem mais dentes, mas amava ração dura quando era mais novinho. Ele ainda gosta de salsicha, se eu amassar no garfo. Ele gosta de andar entre os pés da minha mãe e não se importa quando ela o xinga por isso. Bolero está bem surdo.

16 comentários em “Bolero faz 21 anos”

  1. então, como vc só tem dois gatos, estamos falando do Bolero e do Chico, né?

    Parabéns para ele!!! eu vejo aqui o meu O’Malley com 15 anos e fico achando que ele ainda tem mais uns 30 ou 30 anos pela frente, saudáveis e contentes. Espero o mesmo para o Bolero…

    beijos.

  2. Fique pensando na minha branquela arteira hoje com três aninhos. Daqui a 21 anos eu serei uma senhora de 79 anos !!!!!! Com com 21 muita história para contar de suas aventuras e travessuras. Na verdade é tanta arte em apenas três anos imagino com 21 anos. Haja papiros. Parabéns Bolero muitos beijos na sua bochecha fofa.

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