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A arte não tem simpatia pelo humano

por Suzi Márcia Castelani

Photo by Steve Johnson 

A rotina esmigalha nossa capacidade de concentração e contemplação. Temos obrigação de ser livres, de escolher todo o tempo e o futuro é sempre incerto.

A angústia é dado originário da condição humana e construímos uma forma de sociedade que a aprimora a cada dia.

Vivemos presos em hipnóticas ocupações e no falatório superficial da cotidianidade. É uma angústia sem objeto, de uma realidade sem rosto, o lamento profundo pelo nosso destino de sempre morrer no final.

Vivemos constantemente preocupados sobre nossa permanência no mundo. Batalhamos diariamente por sucesso mas o chegar lá é tão vago que nos sentimos permanentemente derrotados.

Para sermos, precisamos primeiro entender nosso lugar no mundo. Na sequência, conhecê-lo e as estruturas que o sustentam. A ansiedade acontece quando entendemos que nossa atuação neste mundo é parte do que determinará as mudanças desejadas.

Só nos angustiamos quando somos. A existência pressupõe o sofrimento pois só há tranquilidade na ignorância e na cegueira social.

A ansiedade não pode ser afastada inteiramente. O que a psicoterapia pode fazer é nos ajudar a ter uma perspectiva sobre ela de modo que não sejamos apenas vítimas mas também observadores que entendem a tormenta.

A arte também é feita de angústia e não precisa ter simpatia pelos humanos. Nem acolher. Deleuze afirma que a grande arte olha para o mundo como se fosse pré-humano.

A proposta do novo requer imaginação. Para imaginar é necessário pressupor o que ainda não há.

A arte, diante da impossibilidade de segurar o tempo, aprisiona e marca uma época, identifica um período. É uma das respostas do homem ao determinismo do tempo, que o premia com a morte.

É sempre um grito, um rasgo individual. O lado criativo é feito de dor e angústia. O artista rende-se à ela como centelha criadora, o desejo da própria imortalidade.

Em um primeiro momento, a obra de arte constrói-se com base no ponto de vista interno do autor. A arte influencia o mundo muito mais do que é influenciado por ela. Quando nasce não pretende explicar qualquer coisa que não seja ela mesma.

Uma obra pode ter uma originalidade tão esmagadora a ponto de assombrar sua época e fazer com que gerações futuras se debrucem sobre seus signos fundantes sem nunca mais ser capaz de escapar seja pela negação ou concordância.

O sublime, para Harold Bloom é o fracasso do pensamento lúcido e sempre supre sua ausência.

Qualquer coisa que nos tira da esfera humana, que nos relativiza, seja por grandiosidade ou beleza, que nos coloca em contato com algo maior, tem o poder de restaurar a perspectiva e nos acalmar.

Que seja a arte essa coisa. Forjada na dor e na angústia que em todos é matéria, mas só a genialidade é capaz de traduzi-la em obra perene, captando o etéreo, o desejo de fuga de uma lucidez aprisionante para a materialização do sublime, essa arte que, quando ocorre, é imortal.

Suzi Márcia Castelani é editora e artesã de flores e palavras.

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