por Andréia Pontes
choques do bem
A semana termina com pequenos choques no tornozelo direito. Lesões parciais, completas, um laudo ainda indecifrável. Mas é preciso cuidar da gente. Tudo que nós temos. É o bem mais precioso, a vida e o que temos. É incrível como a gente não consegue se dedicar ao silêncio, a nós mesmos, tempo suficiente. Claro que o cotidiano nos distrai bastante.
Parece repetitivo, mas de tédio não morremos nesse país de 40 graus Celsius à sombra. Nasci em 1973, em pleno Governo Médici. Aos 16 anos, pude votar, então em 1989, depois de acompanhar o Movimento Diretas Já pela tevê. E, quando o presidente eleito, Tancredo Neves, morreu, e o porta-voz daquela época, Antonio Britto, comunica à nação o falecimento, a sequência de cenas e comoções. Tudo isso me passou pela cabeça, com o noticiário de hoje. Não, não somos para amadores. Nessa hora, eu realmente penso nos editores-chefes das redações, tendo que mudar primeiras páginas e promover análises sobre documentos jurídicos expostos a céu aberto nesse Brasil que não para de nos surpreender.
A democracia ainda respira. A que preço e até quando, a História dirá e nós precisamos prestar atenção aos fatos.
Não somente a democracia se defende como pode, mas as mulheres brasileiras também. Nessa semana, tivemos questionamentos em torno de uma mulher, que viu, junto com o Brasil inteiro, o marido dar em cima de outra. Ela anunciou a separação antes mesmo do homem voltar para casa (que não vai ser mais a deles). Outras mulheres pediram para ela esperar e não colocar a cara no sol. Mas, a moça chamou a atenção das redes e de patrocinadores. Mudou o cabelo, a maquiagem. Esse movimento gera desconfiança, de oportunista, que haveria código e combinado com o marido em confinamento. Seja lá o que for, não é fácil ser mulher, definitivamente, ainda mais quando ela se empodera. Também não é fácil ser pobre e negro. Que o diga o jovem baiano de 21 anos, confinado em uma casa onde ele é desrespeitado dia sim e dia não também. Desrespeito idêntico é ver crianças protestando por estarem com fome.
Ao menos de fome cidadã a minha alma não morre hoje. Foi com alegria que vejo o documentário Betinho, no fio da navalha, ganhando o mundo. É triste saber que ainda temos que contar muito com a Ação da Cidadania. Mas, é uma alegria saber que ela vive e respira pelo mesmo motivo – muitos pratos vazios pelo Brasil.
É aí que eu lembro da história do beija-flor, que Betinho contava. O beija-flor que enchia o bico de água para apagar o fogo em uma floresta. Questionado pela ingenuidade em ser apenas um beija-flor a combater um incêndio e que sozinho ele não conseguiria, a ave diz que sabe, mas que estou fazendo a minha parte.
Estamos atrasados no dever de casa da liberdade, da vida, da comida, da empatia, do altruísmo e de nós mesmos.