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Não existe comida bonita ou Vamos preparar mil quilos de atum ou Querida Luciana

Querida, cometi a mais amadora das burrices. Entrei num site que entrega produtos do mar e comprei uma peça de atum. Seis quilos de atum, Lu. Até aí, tudo normal (ria de nervoso). Uma atendente entrou em contato comigo.

– A senhora quer que a sua peça de atum seja mandada em postas?

– Isso.

Os pacotes podem ser de um quilo?

– Meio quilo seria melhor.

– Tudo bem, dona Fabia.

Chegaram meus seis quilos de atum, Lu. Em uma peça. Uma. Peça. Só. De. Seis. Quilos. Descaralhados. De. Atum.

Olha.

Eu reclamei? Pedi para trocarem? Tomei alguma atitude? Lu, não, não. Vivo – e não é de hoje – em tal estado de passividade e imensa tristeza e dor e cansaço, que taquei a peça no Maravilhoso Freezer Horizontal da Dona Marli e deixei lá, quieta, por dois meses. Fingindo que ele – o atum – não existia. Né. Minha especialidade. Sabemos.

Essa semana, cheia de hormônios estranhos em circulação, descongelei a peça e, numa pia totalmente vazia e imaculada, descongelei a bicha. Catei faca perigosamente afiada pelo Senhor Chapéu, o amolador de facas das estrelas, e murmurei com um Malboro metafórico entre os dentes:

– A nós dois, gringo sujo.

A única diferença entre o finado Giuliano Gemma e eu, Lu, é que GG era lindo. De resto, irmanados estamos no destemor e no desprezo pelas autoridades.

Ah, ele também tinha um agente bem melhor do que o meu.

Bão, munida apenas de um tutorial do YouTube (descobri que não sou o único ser idoso do planeta que chama o trem de “iuthube”), fui pra cima do pobre peixe.

Minha peça, claro, estava limpa, sem nadadeiras, cabeça, escamas, rabo e as outras coisas que a natureza coloca nos bichos para nos intimidar.

(Continue, natureza, comigo funciona demais)

Lu, seis quilos de atum filetados. Aquela carninha vermelho-quase-goiaba, um sanguinho. É grande a minha competência. Depois, refoguei, escaldei, submergi em azeite chique ou molho de tomate ou nata e eis que uma quantidade imensa de potinhos com receitas variadas que envolvem atum foi acondicionada no belíssimo freezer supracitado.

Eu queria uma conclusão, Lu. Uma moral da história. Sabemos, porém, nem eu e nem minha literatura servimos para clímax ou conclusões grandiosas. Minhas histórias, ficcionais ou não, são apenas narrativas bobas, fatias, nesguinhas da vida.

Aquele monte de atum foi guardado para dias melhores. Que não virão, mas ei, uma garota pode sonhar.

beijo, sempre

P.S.: Não mando foto porque você sabe: comida é um trem feio. Sim, ao contrário do resto do mundo, acho comida, qualquer comida, esteticamente feia. Todas se parecem com vômito de cachorro. Vamos esperar os virtuosos se aproximarem com tochas e ancinhos fazendo discursos edificantes. Segue, porém, lista das comidinhas que fiz, vai que alguém resolva inventar receitas.

Atum esmigalhado e simplesmente refogado na cebola e no alho (com azeitonas)

Atum esmigalhado no molho vermelho (feito do zero porque sou dessas – às vezes)

Atum em postas numa divinal redução de vinho

Atum esmigalhado com vegetais em cubinhos ou pedacinhos que, um dia, será uma salada incrementada (vegetais que jamais serei eu a cortar em cubinhos, você sabe, compro um sacão congelado que vem com cubinhos de cenoura, abobrinha, cebola, chuchu e minúsculas arvorezinhas de brócolis e couve-flor)

Três lindas tortas de atum que, essas sim, eu mesma fiz e ficaram um orgulho (na verdade congelei duas tortas e meia, porque comemos metade de uma delas bebendo vinho gelado, domingo, um rombo no coração e todo aquele etc. que você conhece tão bem)

the end

P.S. do P.S: esse tutorial me ajudou demais

2 comentários em “Não existe comida bonita ou Vamos preparar mil quilos de atum ou Querida Luciana”

  1. Eu amo, amo, amo atum. O pescador que fica palitando os dentes aqui no Mucuripe diz que é afrodisíaco. Deus sabe se. Ou se sou eu que ando sempre, bom, etc. Miha forma preferida é aquele filé pequeno, coberto de gergelim e só levemente tostado dos lados e com o centro meio cru. Mal passado. Sei lá como se diz. Com um molhinho que, claro, só existe o Mercado da Ribeira lá do outro lado do mar. Suspiros. Imensos. Voltando. Seu congelador está uma lindeza com esses preparos todos. Eu não sei congelar comida. Eu esqueço o que é, só pra começar. Quero vinho gelado pra fazer blup, blup, blup escorrendo no buraco do meu coração.

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