Tou lendo a respeito dum peixe que nasce fêmea e vira macho. Que sorte imensa tem esse bicho, desde que vire um macho hetero. Nunca vai se apaixonar por outro um macho e pode fazer de gato e sapato as fêmeas de todo o mundo – antes de, machucadas e tristes, elas virarem peixes machos também.
Meu amigo de colégio, Serge, saudava esse tipo de coisa com a maravilhosa frase a natureza é tão natural.
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Um processo silencioso, porque doloroso demais para que eu o descreva em detalhes. Fotos, arquivos, áudios, textos. Tudo deletado. Findo. Não existe mais qualquer prova de que você tenha existido. Joguei fora o único objeto que você me deu, um livro, e comprei outro, idêntico. Agora ele não é mais o livro que você me deu. É o livro que comprei. O outro livro, um documento escaneado, salvei e ressalvei, até que consegui tirar seu nome das propriedades do arquivo. Fiquei me perguntando por que você me mandou esse segundo livro. Daí, eu me dei conta. Agora sei. Se fosse um consolo eu lhe daria esse presente, eu lhe contaria seu próprio motivo.
De qualquer maneira, agora você é fantasma sem nome, sem biografia. Sua existência é um abismo. Você realmente nunca devia ter existido.
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Com o desejo de salvar o livro com a Luciana, amanhã vou cozinhar. Talvez não haja o que ser salvo, talvez eu mesma não tenha qualquer possibilidade de redenção, mas antes de dizer para a Luciana que nada salva aquele abacaxi (hahaha), vou tentar. Decidi que vou tentar sozinha todas as coisas que achei que pudesse fazer a quatro mãos.
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Fiz uma lista do que, a partir do dia dois de janeiro, vai ser a minha vida. A perspectiva é meio assustadora, mas espero que isso me leve pronde quero ir. Que nem sei onde é, mas ninguém, especialmente uma mulher sozinha, pode escolher não continuar a busca, a não ser que a grandeza do melhor gesto a alcance. Ainda sou covarde demais (e sei que me escondo atrás de mãe e gatos que precisam ser cuidados). Um dia não serei a covarde que sou. Até lá, vou fincar os pés na areia que não para de se mover e seguir como puder.
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Não há coisa tão patética quanto a pessoa de certa idade e com certa quantidade de calos que tem expectativas. Sim, esperar não criar expectativas já é uma espécie de expectativa, de modo que não sei como sair do buraco em que me enfiei. O primeiro passo, acho, é deixar de ser ridícula. Dá trabalho, porque sou ridícula há 51 anos.
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Reli. Isso aqui tá parecendo com os posts dos blogs do fim dos anos 1990, cheio de autoajuda patética, mas é isso. É neste ponto em que estou e onde, parece, ficarei por algum tempo.