Bati claras em neve. É das coisas que mais amo. Bater claras em neve. Você não sabia isso sobre mim.
Pela primeira vez na vida eu não sei o que dizer. Sim, eu, a frasista. A “deixa eu tomar umas notas e preparar uma respostinha”.
Pré-aqueci nosso velho forno ao mesmo tempo em que fervia duas chaleiras de água.
O que dizer? Como dizer o que não sei dizer?
Enquanto esperava o apito (odeio esse barulho, outra informação para você), untei uma travessa de porcelana branca com manteiga e polvilhei com farinha de rosca (a tigela era do Alexandre, adoro – a travessa e, sempre, o Alê). Minha avó mandava (ela nunca pedia, nunca aconselhava) colocar a travessa untada na geladeira – cozinha é sempre um inferno de quente, ensinava a mulher que passou trinta e cinco anos sentindo os calores da menopausa.
Sei o que quero dizer. Não sei o que preciso dizer. Sei o que meu coração quer que eu responda.
Numa panela bonita (todas as minhas panelas são bonitas, faço questão, você saberia disso se me permitisse cozinhar para você), refoguei abobrinhas raladas e cebolonas picadas numa quantidade temerária de manteiga. Devagar, Devagar. Botei sal e alho. Sou dessas. Eu boto alho.
O que devo dizer? O que se espera que eu diga?
Transferi meu refogado cheiroso e lindo para a tigela da batedeira.
O que eu poderia dizer de modo a mão piorar tudo, não afastá-lo ainda mais da minha vida, não fazer ainda mais o papel de boba que venho desempenhando alegremente?
Eu poderia, antes disso, bater a abobrinha refogada com cebola no liquidificador? Poderia. Escolhi não fazer isso. Escolho sentir pedacinhos de comida na comida, sempre que possível.
Uma resposta ruim e burra é pior do que nenhuma resposta?
Peneirei farinha de trigo sobre a abobrinha com cebola e, então, liguei a batedeira. Devagar misturei leite e fui colocando ali as gemas, uma a uma e depois o queijo ralado. Assim, devagarinho. Bem, bem devagarinho.
Uma piada? Devo fazer uma piada da qual ninguém rirá? Falar da série, outra série que jamais veremos juntos? Pedir para ver a foto da comida que ele preparou, do poncho costarriquenho (ou eu sei lá), dos pés dele sobre o capacho novo?
Quando minha massa estava bem misturadinha, desliguei a batedeira e, com uma colher de pão duro, incorporei as claras. Devagarinho? Sim. Devagarinho.
Devo não responder? Nenhuma resposta é melhor do que uma – mais uma, Fabia – das minhas respostas totalmente sem sentido?
As claras precisam ir se ambientando lentamente à comidinha, nunca batidas com raiva, com pressa, com desatenção.
Desde quarta-feira passo horas na frente da tela pensando no que devo dizer. No que é apropriado responder. Nada, sei a resposta, porque para que fique tudo bem que lê a resposta precisa querer que fique tudo bem. Precisa desejar.
Transferi o creme para a tigela que estava até agora na geladeira e botei a tigela dentro duma enorme assadeira de inox. Depois, lembre-se, devagar, despejei a água fervendo das chaleiras na assadeira.
Quero muito muito muito muito muito falar com ele de novo.
Com muito muito muito cuidado, levei a assadeira ao meu preaquecidíssimo forno-velho-de-guerra.
De novo. O que eu quero não importa.
Meu suflê demorou quarenta e cinco minutos pra ficar lindo e macio e dourado e incrível.
O que, o que devo dizer para que realmente fique tudo bem? Para parar de ser des-querida e ignorada?
Você não estava aqui, mas o cheiro era tão bom que talvez, só talvez, a fumacinha tenha percorrido os mais de quatrocentos quilômetros que ligam o Brócolis à Princesinha do Mar.
Eu só queria, mesmo, falar com ele de novo. Para sempre. Não de amor. Nunca de amor. Do tempo, dos meus sapatos novos. Dos quatro livros que escrevo ao mesmo tempo. Do calor infernal. Das coisas tão ruins que me aconteceram. Das boas. Das boas.
Talvez.
Pela primeira vez na minha vida, não sei o que dizer.