por Andréa Pontes
Fôlego, inspiração
Não é porque já é novembro. Que o panetone já está nas prateleiras ou que a chegada do Papai Noel nos shoppings já é um fato. É porque precisamos de fôlego. E de inspiração.
Apesar de todo o esforço do Governo do Brasil, ainda não liberaram a fronteira do Egito para os nossos brasileiros atravessarem. É difícil pedir paciência a Hasan Rabee, pai de duas filhas, que ouve os barulhos das bombas diariamente na Faixa de Gaza, enquanto aguarda essa fronteira ser liberada. É difícil pedir calma aos pais do pequeno Ravi Cunha, sequestrado da maternidade, no Rio de Janeiro, com horas de vida. Final feliz, nesse caso, para alívio geral. É praticamente angustiante esperar a economia melhorar para quem não tem nada no prato para comer.
É desafiador assistir às maldades humanas. É o olhar que não enxerga quem é diferente. É o desvio de quem se incomoda pelas roupas, pela cor da pele, pelo sotaque, pelos cabelos do outro. É a atitude desprovida de caráter. O vencer pelo poder. Não sei se repararam, mas a velocidade dos acontecimentos é cada vez maior. E nada, nada mesmo, fica para trás. Pois é, não há mais o que ser escondido. As surpresas estão ficando restritas a chás-revelações (sei, é polêmico, mas é o que temos, gostem ou não). Não à toa ficamos zonzos com tantos escândalos em todos os segmentos possíveis da sociedade. É a velocidade da luz.
Zonzos, capengas por tantos trancos, vamos passando os dias meio sonâmbulos. É preciso saber viver, tal qual a canção dos Titãs nos dá esperança. Uma vez no inferno, abrace o capeta. É o dito popular. Nessa eterna caverna platônica, há frestas. Alguns feixes de luz. E um passeio ao shopping me mostrou isso. Uma garotinha linda com Síndrome de Down, ignorada pela maioria – quem é mesmo que para e fica fazendo gracinhas a bebês com deficiência? Não podia deixar de passar essa, sorry. A garotinha se encanta com um cachorrinho e a família, que também tem um rapazinho com autismo, não só dá atenção. Os pais trocam experiências. Aos que estão começando a jornada da inclusão, conselhos. Quem sobe precisa puxar o outro.
Mais à frente, o cachorrinho faz feliz uma garotinha que sonha em ter um peludinho de quatro patas para chamar de seu. Novamente, os pais, mais experientes no assunto, compartilham o que é cuidar de um pet em apartamento, as rotinas que mudam, como se dá a escolha. Detalhe: o cachorrinho tem a língua para fora, um charme adicional de fabricação. Já precisou fazer cirurgia, pois os cílios nasciam para dentro e isso causava úlcera nos olhos. Ele é cuidado por um rapaz com autismo. Em poucos minutos, a história é contada em um corredor. Pessoas passam por ali e nem imaginam que ocorre uma gentileza.
Por fim, um café, ou melhor, um mate gelado com limão. Tempo para conversas entre o casal que mal dá conta da rotina diária. E que termina a noite com um bolinho de tapioca com uma bola se sorvete de coco. Na mesa ao lado, um casal se reveza com uma garotinha para poderem comer. “Não conseguimos comer os três juntos, nessa fase; enquanto um come, o outro distrai a filha”. Mais sororidade para o dia. Ainda não acabou. Um vendedor de panos de prato, fugindo do segurança, oferece os dois últimos. O que são dois panos de prato a mais? Ouve-se, repetidas vezes, “aleluia”. Dá a entender que aquele dinheiro era mais do que esperado, era fundamental. Quem sabe vai ter comida no prato de alguém hoje à noite.
É preciso saber viver. Só mais um pouquinho.
Tempos difíceis para manter a pouca sanidade mental que nos resta.. ☹️