por Suzi Márcia Castelani
Quando foi que comprar shampoo passou a ser tarefa de grande complexidade? O produto, afinal de contas, serve para lavar o cabelo. Lavamos e a seguir deitamos quantidade generosa de água no enxágue até não sobrar qualquer resíduo do produto antes de aplicarmos o condicionador. Que nada mais é que o antigo creme rinse, nome muitíssimo mais garboso e fino para a meleca que aplicamos em nossas madeixas.
Quando comprávamos shampoo no bazar do seu Zé, nos anos 1970, escolhíamos entre cabelos oleosos e cabelos secos. Havia até alguns embalados em saquinhos, como chup-chups, de shampoos em dose única nas cores amarelo, rosa e branco. Não havia espaço para decisões de grande monta.
Quero crer que fosse muito comum naquela época as famílias partilharem do mesmo tipo de cabelo pois passei minha infância toda a ver o mesmo litrão de shampoo no box do banheiro servindo todas as cabeças da família.
A primeira variação aconteceu com a chegada do anticaspa. Sem muito alarde, com divulgação discreta, afinal denunciava um problema, uma condição bem pouco atrativa e ninguém queria ser pilhado escolhendo um da prateleira.
Mas a porteira foi aberta e por ela passaram nomes de significado dúbio como antiqueda e reparador que acabaram por gerar acidentes graves em crianças recém alfabetizadas, pouco comportadas e crédulas em rótulos. Assim ouvi dizer.
Hoje o produto ocupa toda uma seção de imensos supermercados. Lemos nos frascos coisas como perolado, antirresíduos e sem sulfato. Mas, pasmem, há em letras destacadas para que o indivíduo não deixe de notar sem sal e sem glúten. Haveria, por acaso, uma chusma de sujeitos que come shampoo?
Outra novidade ocorrida no mundo da higiene capilar que chegou aos pouquinhos e se instalou para ficar é o parzinho de shampoo e condicionador do mesmo tipo. Os frascos são quase idênticos. Esses são o verdadeiro demônio, o pavor de quem usa óculos e não enxerga bem sem eles.
Notáveis designers formados em conceituadas universidades trabalharam no desenvolvimento das embalagens. Nada ali está por acaso. Houve estudo para determinar o uso das cores, das fontes, da posição dos elementos. Pois isso tudo de nada serve ao cegueta debaixo d’água, perdido no vapor, tentando decifrar qual dos frascos é aquele que ele tem nas mãos pois, senhores, a letra mais miudinha do frasco, aquela impossível de ler sem óculos, é justamente os dizeres shampoo e condicionador que determinam a ordem do uso. A decisão acaba acontecendo pela comparação do comprimento. O de palavra mais curta primeiro.
É um desgosto constatar que Exupéry continua certo: o essencial é invisível aos olhos.
Suzi Márcia Castelani, coeditora.