por Suzi Márcia Castelani
Quando René Magritte legendou em seu quadro Isto não é um cachimbo, ele determinou a distância que entendia necessária entre a representação e o objeto.
Gertrude Stein, no início do século XX, fazia parte de um grupo de gênios que tinha a forte intenção de matar o século XIX e entendia que o que seria capaz de tal façanha seria essa arte que misturava conteúdo e forma, preocupada com a linguagem além dos significados.
Nascida na Pensilvânia em 1874, caçula entre os cinco filhos de uma abastada família judia, Gertrude Stein passou a vida escrevendo, colecionando arte e organizando saraus em seu apartamento, no número 27 da Rue Fleurus com uma turma que incluía Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, James Joyce, Pablo Picasso e Henri Matisse.
Ela comprava a produção de jovens artistas, revisava suas obras e discutia seu trabalho literário com o afã de quem está vivendo o nascer de uma era e sabe disso.
Sônia Régis, professora do Departamento de Arte da PUC-SP diz que:
Quem inova sempre produz algo feio, porque o esforço para mudar é muito grande. A geração seguinte cria com mais suavidade e de modo mais atraente e por isso é mais bem aceita.
A geração de artistas que frequentava os saraus da Rue de Fleurus, 27 possuía a intenção de negar tudo que fosse referência do real, do literal, da retratação. Stein era uma ativista da ousadia. Da própria e da dos outros.
Stein admirou Cézanne, traduziu Flaubert, ensinou Hemingway a escrever (gostava de afirmar), discutiu com Matisse e retratou Picasso.
Picasso pintou Gertrude em óleo sobre tela mas Stein escreveu o retrato do pintor duas vezes.
O primeiro em 1909, quando o artista arriscava os primeiros experimentos cubistas:
Picasso
Aquele que alguns estavam certamente seguindo era aquele que completamente encantava. Aquele que alguns estavam certamente seguindo era aquele que completamente encantava. Aquele que alguns estavam seguindo era aquele que completamente encantava. Aquele que alguns estavam seguindo era quem certamente completamente encantava. Alguns estavam certamente seguindo e estavam certos de que aquele que eles estavam então seguindo era aquele trabalhando e era aquele extraindo dele mesmo então algo. Alguns estavam certamente seguindo e estavam certos que aquele que eles estavam então seguindo era aquele extraindo dele mesmo algo que então estava vindo a ser uma coisa pesada, uma coisa sólida e uma coisa completa. Aquele que alguns estavam certamente seguindo era aquele trabalhando e certamente era aquele então extraindo algo dele mesmo e era aquele que tinha sido toda a sua vida tendo sido aquele possuindo algo despertando dele. Algo estava despertando dele, certamente isso estava despertando dele, certamente isso era algo, certamente isso era algo despertando dele e isso tinha sentido, um sentido encantador, um sentido sólido, um sentido renitente, um sentido evidente. (Tradução de Janaína Nagata Otoch)
Mulher, expatriada, lésbica e vanguardista, essa mulher influenciou profundamente a literatura do século XX. Se causou barulho na sua época é porque a época não estava preparada para recebê-la. Estaremos, ainda hoje? Não sei responder.
Só sei que no segundo retrato de fez de Picasso, em 1924, Gertrude terminou assim:
“Vou recitar o que a história ensina. A história ensina.”
Só posso dizer amém.
Suzi Márcia Castelani é editora e artesã de flores e palavras.