por Andréa Pontes
Para não esquecermos o que fizemos com os primeiros e legítimos moradores daqui
Ontem, mais uma vez de olho nas notícias, foi um dia bem randevu diria minha mamãe. Minha mãe, quando via quarto bagunçado, usava essa expressão. Criança, achava que era bagunça. Depois fui descobrir que significa também local de prostituição. Aí você vê que o pessoal da década de 1970 sobreviveu e passa bem.
Ontem, tivemos um cara se disfarçando de garçom, e, com uma maquininha, recebeu dos clientes como se fosse da casa – Pagode & Chinelo ou Pagode de Chinelo, enfim. Aí, tivemos uma decisão monocrática, na qual um bicheiro, uma das estrelas do excelente Vale o Escrito, na Globoplay, livrou-se da tornozeleira eletrônica. Para tentar fechar o dia, Gracyanne resolve declarar ao mundo que trai o marido Belo. A partir daí, várias revelações – um trai o outro. Mas, não, o dia ainda não acabou. Israel resolve atacar o Irã, para desespero dos Estados Unidos, da União Europeia. Às 20h de uma quinta-feira, ninguém está com paciência para o fim do mundo (opa, será que já não estamos nele e Baby Consuelo tinha razão?). Ah, quase que esqueço do tio Paulo, cujo cadáver ou quase cadáver foi levado ao banco, porque a sobrinha precisava de um empréstimo.
O resultado do dia: profusões de memes, muitos cliques em sites de fofocas, a cabeça zonza. Tentar analisar isso não é encomenda nem para o psicanalista mais experiente. Uns vão virar para o lado e dormir. Outros vão entrar em negação (começo a entender o pessoal da terra plana). Vamos ter alguns que darão risadas, muitas, analisando por ângulos diferentes tantas bizarrices.
Como a gente vive, pensando no que vai dar certo? Leveza, comendo os legumes e verduras e frutas, fazendo exercícios, fazendo o bem, no meio desse caos?
Precisamos lutar. É, gente, lutar contra nós mesmos. Tirar os pensamentos ruins, as energias ruins, ter foco no que é positivo? E se você é mulher, então, meu Deus do céu. Tirar o peso de ser perfeita, não criar problemas, acertar sempre, dar conta de tudo, de passar no teste da misoginia, do preconceito, dos julgamentos da sua aparência, do seu jeito de falar, das suas roupas, das unhas feitas.
Ser legal e não boazinha. Viver o óbvio, o simples. O que é tomar uma água e depois pegar um copo de água e oferecer ao outro? O que é colocar flores pela sua casa e fazer alguns arranjos de flores para arrancar sorrisos e aliviar o dia para os outros? Algo que custa, vai, um tempo de mais ou menos uma hora. E um certo investimento e mãos voluntárias que fazem flores e materiais chegarem até mim.
Pois bem, divido uma experiência que vivenciei fazendo isso. Estava na clínica de fisioterapia (leia os textos anteriores e você vai descobrir que estou na luta por ligamentos melhores). Um homem estava esperando ser atendido e ofereci as flores. Ele foi ríspido, em um diálogo estranho, mas aceitou o pequeno copo de café sustentando delicadinhos cravos rosas e uma tuia.
Subi para fazer a primeira parte da sessão. Quando retorno, as recepcionistas me contam que ele pediu para utilizar o banheiro, subiu no vaso. E comeu as flores. Eu lembrei do randevu. Olha que já vi gente jogar as flores fora, já vi gente chorar, sorrir, desabafar, mas… comer, foi a primeira vez.
Drogas? Fome? Desespero. Uma amiga me disse que ele deve ter tido fome de luz. De repente, em meio ao caos, foi o caminho que ele encontrou. Tem gente pior que nós. Mas, para viver nessa bagunça toda, é preciso arrumar a casa interna, antes. Nós. Antes de ir para o mundo, cuide do seu mundo. Aí você vai poder viver e sobreviver.
E, quem sabe, fazer a diferença para alguém.