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Querido Paulo

Querido Paulo, tenho olhado muito em volta. Sabe? Tenho olhado para fora e buscado luz e sombra em cada canto. Tenho procurado as definições. Antes, as descrições, chamar de verde o que é verde, de grande o que é grande. Quais substantivos, quais adjetivos descrevem o que vemos? Aliás, o que vemos? Não o que desejamos ver, não o que detestamos ver, mas o que vemos nós da nossa janela, com a mente o mais limpa que pode estar? O que vejo, como vejo e que filtros preciso descartar. Tenho buscado as palavras e elas não me vêm, ou me vêm, mas não exatamente como quero ou preciso, então tento mais e mais, como se fosse alcançá-las algum dia por meio de desejo, técnica, método, determinação e bunda na cadeira. Talvez, querido Paulo, elas me alcancem por uma combinação de todos os fatores acima e mais o treino que a Marli me deu a vida toda, com seus livros e análises e exploração miudinha dos dicionários. Talvez as longas falas do meu pai acerca da vida, seus gritos atemorizantes e seus gibis do Asterix estejam aqui em algum lugar. Talvez os livros do meu irmão, loucos, novos, escritos por gente de quem nunca ouvimos falar mostrem a direção, depois de farejarem o ar e eriçarem o pelo. Talvez o Henrique V do meu primeiro namorado, talvez as centenas de romance de banca que traduzi, talvez o Erico Verissimo olhe por mim – eu que me converti à fé dele tão tarde na vida. Talvez a Nepomuceno não desista ainda de mim e o Max me mande e-mails loucos e a Suzi concorde em fazer uma daquelas reuniões de sábado em que eu sempre choro. Talvez, querido Paulo, você ainda me leia, anote nas margens o que não faz sentido ou o que tem de mudar de lugar, talvez você faça citações complexas que eu possa roubar.

Talvez assim, com tudo isso, por muito tempo, voltem a mim as palavras que precisam voltar e voltar e voltar.

6 comentários em “Querido Paulo”

  1. As palavras são umas sacanas sem responsabilidade afetiva (risos). Eu sei que você vai tê-las de volta porque você tem “desejo, técnica, método, determinação e bunda na cadeira” – que é a dedicação. Já eu não tenho tantas esperanças, pois fico apenas na varanda cantando – com minha péssima voz – “volta, vem viver outra vez ao meu lado, não consigo dormir sem teu braço, pois meu corpo está acostumado”. Não preciso nem comentar que as noites são de insânia, né.

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