por Andréa Pontes
Nelsão, o dono da unanimidade burra (foto de Urariano Mota)
Pode parecer alienação, mas o futebol é um grande termômetro, além de um espelho social inegável no Brasil. É muito além do futebol.
O luto do Corinthians é nosso
Sete mortes e 27 feridos. Esse foi o triste saldo de um acidente com um ônibus, com 43 torcedores do Corinthians, que voltava de Belo Horizonte, onde o Timão enfrentou o Cruzeiro. Nas apurações iniciais, o ônibus estava em condição irregular e a causa do acidente foi falha no freio.
Uma comoção para outros times, que sabem que isso poderia ter ocorrido com seus torcedores. E, para cada brasileiro, a tristeza em saber que isso não é exclusividade do futebol. Segundo o Ministério da Saúde, mais de 33 mil vidas foram perdidas no Brasil em 2021, em acidentes de trânsito.
Vasco, o racismo e a luta contra o preconceito
Os camisas negras formaram um time histórico, em 1923. Não só pela conquista do título carioca. Mas, pelo combate à discriminação racial e social. Único dos grandes clubes com estádio no subúrbio carioca – a barreira do Vasco fica em São Cristóvão, enquanto os treinos do Fluminense são nas Laranjeiras. Os jogadores do Flamengo e do Botafogo se preparam para os jogos em campos da Zona Oeste.
Nas últimas semanas, um debate, em que o Vasco precisou de liminar para vencer o Atlético-MG no Maracanã, estádio hoje administrado pelo Flamengo e pelo Fluminense. Nada apaga o papel feio da torcida do Vasco, que fez com que o estádio ficasse proibido para o público em partidas do cruzmaltino. Mas, que bom que o subúrbio venceu e o time de São Cristóvão conseguiu jogar no Maracanã, igualmente localizado na Zona Norte.
Ninho do Urubu, vidas importam
Em 8 de fevereiro de 2019, dez vidas eram perdidas para um incêndio no Ninho do Urubu, causado por uma falha em um aparelho de ar-condicionado. As vítimas fatais eram adolescentes, entre 14 e 15 anos de idade, da categoria de base do clube. Sonhavam pisar em gramados da série A. Representam milhares de adolescentes, que estão em concentrações de clubes em todo o Brasil. Uma minoria alcança os objetivos. Uma maioria se espalha entre as séries D, C e B, longe de famílias, lutando para manter o sonho de amar o futebol. E outros, quando caem em mãos erradas, são vítimas de golpes, inclusive fora do País.
Mulheres e a desigualdade
E a Copa do Mundo Feminina trouxe mais força no patrocínio, uma audiência incrível na Austrália, país-sede da competição. As árbitras comunicaram em bom som para toda a torcida as decisões do VAR – que, ao contrário dos jogos masculinos – foi rápido nas análises. No entanto, uma unanimidade – e não burra, como diria Nelson Rodrigues – clama por mais apoio. Aqui no nosso Brasil, se já é difícil para os homens, o que dirá para as brasileiras. Árbitras, jogadoras, bandeirinhas, técnicas – todas, sem exceção, lutam contra o preconceito e contra a desigualdade. Fora do campo, as repórteres ainda encontram certo preconceito – e, melhorou. Imaginem como era antes. Xingamentos e assédios não eram incomuns. Se hoje, presenciamos a meio-campista Jenni Hermoso ser beijada na boca, sem consentimento, pelo presidente da Federação Espanhola de Futebol, Luis Rubiales, não é difícil concluir que ainda falta muito pela equidade e o respeito às mulheres.
Apostas – corrupção
Na escalação do técnico interino Fernando Diniz, da Seleção Brasileira, não houve vaga para o jogador Lucas Paquetá. O motivo: Paquetá teria tido pessoas próximas a ele fazendo apostas em valor máximo de que ele receberia um cartão amarelo durante o jogo entre Weston Ham e Aston Villa. E, na ocasião, foi o que ocorreu.
Nelson Rodrigues e o povo
Cronista esportivo e apaixonado pelo Fluminense, Nelson sempre escrachou o que a sociedade tentava esconder. Da linguagem simples, direta, foi o mestre. Ele sabia como ninguém as paixões do brasileiro, o sexo, o amor e o futebol. “De mais a mais, temos a fascinação do escândalo”, dizia.
Nelson não ficaria surpreso com o quadro atual do futebol, pois ele sempre soube que tudo é um espelho gigante. Corrupção, desigualdade, racismo, preconceito, violência. O futebol das multidões apaixonadas é reflexo da sociedade brasileira. Há suas vibrações, suas alegrias, a criatividade, o deboche, a provocação, a união. E há o lado feio, exposto a céu aberto. “No Brasil, quem não é canalha na véspera, é canalha no dia seguinte”, sentencia o rei que declarou que toda a unanimidade é burra.