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Pedra Bruta: Trinta anos

por Andréa Pontes

Pior sem ele

Devido aos 30 anos de Plano Real, eu lembrei como fui testemunha de uma economia que felizmente deixamos para trás. Meu pai assinava os cheques (frente e verso) e deixava para eu preenchê-los ao pagar a escola, o curso de inglês e a boa e velha Associação Cristã de Moços (ACM). Caso eu fizesse confusão de cruzeiro, com cruzado ou cruzado novo, ainda tinha o verso para preencher. Você ganhava 200 mil por mês e não, não era um alto salário. Eram corridas no começo do mês aos mercados e havia falta de produtos. Uma desvalorização do que se ganhava, do que se produzia. Falta total de controle. Um pouco antes, vi meu pai ficar com insônia por noites seguidas. Era o Plano Collor, confiscando os valores investidos pelos brasileiros. Se hoje o mercado se preocupa se vamos manter 4% de inflação ao ano, pense em 1993 quando convivíamos com 3000%. Impensável atualmente.

Chegamos à URV – Unidade Real de Valor. Era chique ver muitos zeros, você se sentia milionária – mas não era. Era o caminho para a chegada do real. E, assim, reduzimos o número de zeros dos holerites, dos saldos bancários, nas contas dos caixas dos supermercados. A ideia veio de uma turma, maioria da PUC-Rio. Vejam a ideia: a URV começou equivalendo 1 dólar. No último dia de existência, valia 2750 cruzeiros reais. No dia seguinte, entrava o real, no dia 1º de julho de 1994. Era o recomeço da moeda brasileira, em que 1 real vale 1 real. Uma nova relação, com a devida DR – não foi fácil, estávamos acostumados a pacotaços e congelamentos. Não podia ser tão simples. Mas, foi.

Muito se caminhou. E ainda há muito a se melhorar. O que me lembra uma frase, de um executivo na área automotiva, falando da dificuldade de explicar sobre tributação brasileira a gringos. ‘Eles não entendem’. É difícil, mesmo, até os especialistas precisam consultar referências econômicas. São infinitas regras, detalhes, que variam de setor em setor. Nós pagamos por etapas do ciclo produtivo. Do começo até chegar as nossas mãos.  Nós estamos envelhecendo mais e está faltando dignidade para ficar velho.

Em um mar de vários interesses, como representar todos? A resposta não é só tributação. É educação, é termos melhores e contínuos investimentos. É incluir mais. É termos mais pessoas com acesso à saúde básica. E não o que a minha sogra, aposentada há alguns anos, contava-me, estarrecida. Professora de Química, Matemática e Física, ela precisava ensinar a tabela periódica para quem não aprendeu a assinar o próprio nome.

Já foi muito ruim. Reformas são importantes, mas não são o único caminho. Um bom país, uma professora de História já me disse, é feito com educação, saúde e justiça acessíveis e de qualidade para todos. Senão, você pode discutir o tamanho do piano, mas não vai resolver, porque não vamos ter braços em número suficiente para carregá-lo.

Quando se chega a certa idade, nos tornamos, naturalmente, personagens de fatos históricos. Então, se você está confuso, imagina uma garota de 11 anos tendo que pensar se era para preencher o cheque em cruzado, cruzado novo, URV ou cruzeiro real? Ou, dê uma olhada na Argentina e veja um real equivaler a 161 pesos.  Sim, um Brasil da década de 1990 bem aqui do lado.  

‘Eu já passei por quase tudo nessa vida. Em matéria de guarida, espero ainda a minha vez

3 comentários em “Pedra Bruta: Trinta anos”

  1. É exatamente tudo isso que que você falou.
    Eu trabalhava no setor de informática de uma grande empresa comercial naquele período e virei noites várias vezes fazendo cortando zeros em mudanças de moeda.
    A última tarefa desse tipo foi atrelar todos os preços à URV, depois aquela tranquilidade mágica de passar a URV pra real. E depois nunca mais precisar se preocupar com aquela corrida louca atrás dos preços.
    As pessoas mais jovens não sabem e as que viveram tudo aquilo se esqueceram (ou fingem que) do terror que era viver sob aquela ‘inflação galopante” , como se dizia na época.
    E outro detalhe importante é que a maior parte da população não tinha acesso ao sistema bancário, basicamente por causa da pouca informatização.
    Com isso as pessoas de classe media pra cima tinham uma defesa contra a inflação com a instituição de ‘contas remuneradas”, que corrigiam a inflação no saldo dos depósitos. Já no caso dos pobres a inflação corroía os salários impiedosamente e o que era recebido de manhã já valia menos no final do dia. O resultado era um imposto terrivelmente cruel em cima da imensa maioria da população. Justamente a parte mais sofrida e indefesa, pra variar.

  2. Pagar a ACM? Para que ? Aqui no Rio, na região da Lapa tem bum pr fio enorme bom também enormes letras vermelhas ACM. Sempre tive curiosidade de saber o que essa associação com os novos cristãos

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