por Andréa Pontes
Enquanto houver sol…
Quando vemos sombras é porque há luz. Sem a luz, não as enxergamos. A sensação é a de que abriram as portas dos porões. Até o pessoal da Idade Média anda com vergonha da gente. E olha que o pessoal daquela época foi responsável pelas Cruzadas e a Inquisição. Não à toa os renascentistas tinham pavor daquela gente. Estamos em 2024. Em nove anos, mais de 10 mil brasileiras morreram. Por serem mulheres. A Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher identificou que 68% das mulheres já sofreram ou sabem de alguma mulher que sofreu algum tipo de violência. Das vítimas de estupro, 61% têm menos de 13 anos. Os algozes são pessoas próximas – familiares, amigos de familiares. E, a maioria só descobre a gravidez depois da 22ª semana de gestação. Justamente o que o fatídico projeto de lei quer colocar como limite.
Não é mole, não. Não basta ser mulher. A gente virou moeda de troca política. Sim. Estamos em ano de eleições municipais. Aprovar, com urgência, uma lei que vai – pasmem – colocar mulheres e meninas vítimas de estupro que engravidem serem mais punidas do que os estupradores – vai desagradar à maioria da população brasileira. E, desaprovar, significa perder uma fatia determinante para as eleições desse ano e de 2026. Não há nada religioso nisso. Pelo contrário.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal proibiu desqualificar a mulher que é vítima de agressão sexual. Ano de 2024, depois de Cristo. Até a Síria e o Afeganistão, países reconhecidamente que mais deixam as mulheres vulneráveis, têm legislação melhor do que a nossa na questão do aborto.
Política, religião e crime não deviam se misturar. Até segunda ordem, o Estado é laico. Mas, parece estar dizendo “ei, você, menina, vulnerável a homens doentes por uma cultura milenar de misoginia, você tem até a 22ª semana para saber se está grávida; corra, viu, vire-se para resolver esse problema; quem devia te salvar não está nem aí para você”.
Em Santos, um idoso foi agredido com uma voadora. Infelizmente, faleceu. No Rio, um médico – isso, um médico – agrediu um idoso. Nos dois casos, os senhores foram agredidos na frente dos netos. Em comum, discussão de trânsito. O ser humano. A vida. Em último lugar. As polarizações que adormecem o que nos resta de humanidade.
Não é por acaso a falta de humanização. Ela está em discursos vazios. Aliás, reparem nas carroças vazias – são as que mais fazem barulho. Porque, ir até a causa dá trabalho. Cuidar da Educação, da Saúde Pública, para combater machismo estrutural e acolher adequadamente mulheres e meninas no País é um caminho longo. É uma verdade. Dura. E não podemos nos esconder, só tem cura se a gente encarar. Por mais que isso nos dê tristeza.
Bom senso costuma ser a resposta a situações assim: é algo benéfico a todos? Para os mais resistentes, é só responder: “e se fosse sua filha, sua esposa, sua irmã, sua mãe?”.
Enquanto houver luz, vamos poder encarar as sombras.
Tenhamos esperança para o sol brilhar de vez. Assim, os renascentistas mudaram formas de pensar. Renascendo.