por Raquel Azevedo
Querida Carol, lendo suas últimas notícias me veio um aperto no peito por não saber se estou lendo nas entrelinhas o que sequer está sendo aventado.
Por que estou pensando em entrelinhas? Viajei com minha filha por quatro dias, dois deles passados quase que inteiros numa daquelas estradas de três pistas do documentário América. Colinas verdejantes, árvores desconhecidas, despenhadeiros, a água escura do Ohio River, as pás metálicas das turbinas de vento. Nenhuma cidade com nome de santo. Os mesmos três ou quatro restaurantes de fast food em todas as paradas. Carros modernos e velozes ultrapassando modelos da década de 1990 e longos caminhões articulados que por alguma razão não soltam fumaça preta. Aquela bobagem em forma de veículo que parece ter sido desenhada por uma criança de quatro anos, fabricada pela marca do Elão. Faz menos sentido ainda ao vivo e em cor (de eletrodoméstico), acredita? Minha incapacidade de entender velocidades ou distâncias expressas em milhas e o tempo necessário para percorrê-las.
Silêncio. A estática do rádio, que surpreendentemente ainda existe. Música no fone de ouvido para ela, podcast e audiolivro para mim. Pistas parcialmente fechadas com sinalização perfeita. Piadas internas que substituem as que fazia com minha família nas intermináveis viagens de Corcel II para nos encontrarmos com tios e primos. “Road Works in Seven Miles” “Ainda bem!” é a nossa “Emobrás”. Conversas triviais que viram conversas profundas, inclusive uma sobre como expressamos nossa vontade frente a um incômodo “não” e outra sobre como cada pessoa interpreta palavras, gestos e até ações de maneira diferente, dependendo de sua origem, história e visão de mundo. Ela me disse pela primeira vez, e logo pela segunda, que às vezes uso um tom condescendente quando me dirijo às pessoas em inglês. Olha que informação importante, querida. Meu reflexo, condicionado por tudo o que vivi, sofri e talvez aprendi, é responder na defensiva, mas (aleluia mindfulness!) dessa vez consegui reagir com a dita curiosidade de principiante e tentei ir mais fundo. Queria compreender a percepção dela e se acha que devo fazer de outra maneira. Buscamos adjetivos e experimentamos entonações, e afinal ficou combinado usar um código (em português, claro) para quando acontecer novamente. Prometi ficar atenta.
Na volta, a sorte de um almoço legitimamente brasileiro (feijoada, arroz branquinho, torresmo, couve, laranja, coxinha e cerveja gelada) com uma amiga querida e a mãe dela. Comida deliciosa, papo melhor ainda, mil assuntos diferentes e acabamos falando sobre discurso, vocabulário, contexto e o controle que tentamos exercer sobre a percepção que o outro tem de nós. A diferença entre condicionamento cultural, traço de personalidade e herança familiar. O que vale muito levar adiante e o que não queremos de jeito nenhum, deusmelivreeguarde. Cartas, ratos, um homem velho ou talvez sábio, um pássaro azul. Na saída, bolo e mais presentes do que conseguimos carregar.
Seria tão mais simples se conseguíssemos expressar exatamente o que vai na cabeça ou coração. Mas, então, quem seríamos sem as entrelinhas? Fique bem, minha querida.
Raquel, que atenta a menina. Eu nunca tinha pensado sobre isso. Agora prestarei mais atenção em mim. No tom.
Não é? Eu nem sei se a gente tem ouvido de ouvir isso. Beijo, querida.
Nas Entrelinhas,Estrelinhas ⭐️
❤️
Que brilham como você 🩷
Tão bom ter você na vida ❤️❤️❤️
E você na minha vida 🩷 Melhor parte da viagem.