Entender-se como membro de zero grupos é graça que se alcança por meio da psicanálise.
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A conversa era sobre novela, assunto sobre o qual nunca posso opinar, porque nunca vi novela. Isso é sempre complicado, dizer que nunca viu novela a transforma imediatamente num ser humano odioso, reacionário que não ama o povo, suas manifestações culturais, que se sente superior, melhor do que os outros, elitista, babaca. Meu Deus. Enfim, todo mundo, todo mundo mesmo já tinha dado a opinião definitiva sobre novelas. Até a MX já tinha opinado de forma definitiva sobre novelas – e antes disso me dado um puta dum coice quando falei que acho os cariocas simpáticos e elegantes – ela quis provar que não são, não, e me empurrou da borda.
Então, eu, que nunca perco a oportunidade, dei uma opinião bem babaca e elitista sobre novelas. Eu me sinto péssima até hoje quando penso nisso. Em minha defesa, eu era hóspede e MX foi convidada à minha revelia e aquilo me deixou absurdamente nervosa e irritada e infeliz. Muito infeliz.
Espero nunca, nunca mais ter de me juntar àquele grupo de novo. Eles foram embora, eu me recolhi ao quarto azul e desejei a morte umas mil vezes. A minha, a dos outros. Detesto novelas.
Lembrei-me desta lamentável ocasião porque um site me pediu um texto sobre amores, roubadas e outras tristezas. Declinei do convite.
Eu poderia não ter ido. Poderia ter ligado para meus anfitriões da rua e balbuciado uma desculpa, inventado um motivo de atraso. “Ana, Paulo, entrei numa farmácia, o Godzila invadiu a Conde do Bonfim, estamos sitiados aqui até a Defesa Civil nos resgatar, chego tarde, beijas.” Essa linda desculpa não me ocorreu. Voltei para a casa deles naquela noite e fiquei lá, com cara de idiota, vontade de chorar e dor de cabeça. Eu me entreguei, voluntariamente, à armadilha.