por Char I. Melhein
Para além de qualquer discussão sobre a importância do século XIX, tema preferido da minha companheira, o que me interessa, em Lautrec, é o tesão. Dele. Pelas garotas que ele pinta. Pela cidade que ele vive. Pela vida que ele tem.
Fosse qual fosse a orientação sexual do velho Lautrec, seja qual for a orientação sexual do espectador de sua obra, o trabalho dele nos dá tesão.
Lautrec pintou muitas cenas, um período inteiro da vida da França. E pintou mulheres. Dançarinas e prostitutas, lavadeiras, empregadas, esposas burguesas, turistas.
As mulheres de Lautrec têm cheiro, sua pele tem textura. Elas estão vivas, todas elas. Têm vidas repletas de acontecimentos, pessoas, exigências, compromissos, mesmo as entediadas, mesmo as tristonhas.
São seres complexos, atraentes. E se parecem tão atraentes para você e para mim, é de se supor que fossem atraentes para o pintor.
E a cada rosto, par de pernas, cabelos em penteados elaborados e solidão em frente a uma taça de vinho: tesão.
Tesão sexual? Claro. Mas tesão pela existência, principalmente. Pela vida que, no fim do século XIX, se transformaria como em nenhuma outra época.
É disso que eu falo. Também. Lautrec, com seus traços, suas cores, seus cartazes, a cada linha desenhada grita: “Vai lá fora, seu paspalho! Vá ver as pessoas e suas dores, vá experimentar, vá respirar fumaça, beber absinto, fumar um cigarrinho do capeta!”.
Os quadros de Lautrec, para mim, são o depoimento de um artista que ama e deseja a vida tanto quanto ela o apavora e deprime.
Lautrec não teve uma existência risonha, nem viveu em tempos simples: a Paris da virada do século não era território para diletantes. Era um homem angustiado, alcoólatra, com problemas físicos e inquietude d’alma. Apesar dos dramas pessoais, ele nos legou uma obra imensa, de múltiplos entendimentos, passível de toda sorte de análise e cheia de tesão.
A inquietude a que Lautrec nos leva, por meio do desejo, é a inquietude dos que sentem e se deixam levar pelo sentir, mas também dos que pensam, elaboram, buscam, pesquisam, racionalizam.
Porque pensar e sentir, com Lautrec, como na vida real, são atividades indissociáveis.
Pensemos, isso é maravilhoso, mas ainda é nosso corpo quem nos leva para passear.
Char I. Melhein é de 1956, mas isso não deve ser usado contra ele. produtor de pimenta e orégano (não, isso não é um eufemismo), arquiteto, ele é servo de seis cachorras gigantescas que têm uma piscina só delas.