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Não vou mais levar você para ver um filme nacional

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por Patrícia Daltro

–  Você me trouxe para ver um filme nacional? Desde quando um filme nacional presta?” –  pergunta a personagem dentro do filme assistido pelas personagens do filme “Os Farofeiros.”

Como se dialogassem entre si. A personagem que assiste ao filme, representada pela atriz Danielle Winits completa:

– Cinema nacional só tem putaria e palavrão. E as pessoas não falam assim na vida real.

Imediatamente a personagem na tela repete a fala da primeira:

– Cinema nacional só tem putaria e palavrão. E as pessoas não falam assim na vida real. Não é verdade, gente? Hum?

Neste pequeno e metalinguístico diálogo vemos a essência do que o cinema nacional ainda representa no imaginário popular. Filmes brasileiros não prestam. Ou são tão autorais, que se restringem a um seleto publico que “os entende”, os famosos filmes “cabeças” ou se resume a putaria e palavrão. Esta mentalidade não surgiu do nada. Foi construída e pavimentada por décadas, regadas à falta de incentivo financeiro, censura e tecnologia obsoleta, além da competição injusta com as produções hollywoodianas.

Podemos dividir a história do cinema nacional em momentos distintos, até agora.

Por incrível que pareça, foi na década de 1970 que o cinema nacional alcançou seu auge. Embora tenha sido durante a ditadura que tenham sido criadas a Embrafilme (Empresa Brasileira de Filme) e a Concine (Conselho Nacional de Cinema), que fomentaram a produção cinematográfica, a mesma, restringia, através da censura, a diversificação da produção. Restou aos cineastas nacionais burlarem o sistema com histórias ufanistas, bibliográficas, infantis (Os Trapalhões como grande expoente), e, é claro, a pornochanchada, que levou à população a lotar suas salas – embora restritas a uns poucos cinemas.

Com a retomada da democracia, era de se esperar que, assim como na música e em outras produções culturais, o cinema também se reestruturasse e trouxesse novos ares e temáticas. Mas, a crise econômica dos anos 1980 e a recessão que assolou o país durante os primeiros anos da década de 1990, ocasionou a quebra do cinema nacional. Salas foram fechadas, produções canceladas. O auge da crise aconteceu durante o governo Collor de Mello que suspendeu, através de medidas provisórias, quase todos os mecanismos de incentivo, extinguindo a Concine e a Embrafilme, ações que levaram a estagnação quase completa das produções nacionais.

Somente após a deposição do presidente Collor, a criação da Lei Audiovisual do presidente Itamar Franco, as políticas estatais de fomento à cultura do presidente Fernando Henrique e a lei Roaunet, promulgada pelo presidente Collor, mas que só veio a funcionar, mesmo timidamente, nos meados dos anos 1990, foram sem dúvida, as ferramentas propulsoras deste movimento de retomada do cinema nacional. O advento de novas tecnologias, de linguagens mais atraentes ao público em geral e a entrada em cena de novos cineastas, que trouxeram diversificação ao cinema, consolidaram esta etapa.

O filme tido como marco inicial deste período foi Carlota Joaquina, de Carla Camurati, lançado em 1995, primeiro filme nacional da década a levar mais de um milhão de pessoas ao cinema.

Imagem de divulgação do filme Carlota Joaquina, Princesa do Brazil de Carla Camurati

O filme produzido com baixo orçamento, trazia uma nova forma de contar a história do Brasil. A chegada da corte portuguesa às terras brasileiras, tendo a princesa Carlota Joaquina como a protagonista e trazendo um d. João VI caricato e glutão, utilizou uma linguagem pautada no humor ácido, tão em alta nessa década, uma relação que flertava com a teledramaturgia do horário nobre das TVs, que caiu no gosto popular e abriu os portões para que outros explorassem esta e outras linguagens.

Encerraria esse texto aqui, desejando um final feliz para o nosso cinema, com quase duas décadas de sucesso, com produções chegando aos milhões de espectadores. Mas, a triste verdade, é que hoje vivemos novamente, um período obscuro, onde não apenas uma recessão e restrições financeiras ameaçam nossa história cinematográfica, mas também, restrições de ideias, mental e cultural, sem dúvida, esse é o período mais perigoso que nosso cinema já enfrentou até hoje.

Patricia Daltro é artesã e escritora. Ela pode ser encontrada aqui: http://avidasemmanual.blogspot.com/

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