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Minha atração pela alça de mira, uma canja e o nariz do Palhaço Carequinha

Nunca mais baixar a guarda ao ponto me colocar tão vulnerável a ponto de permitir que uma pessoa me dê tanta porrada em dois ou três parágrafos: eis aí um excelente plano de vida.

Não sei se será possível, pois conhecida sou por me colocar na alça de mira dele sempre que possível. Eu peço. Sei disso. Acho que, em algum lugar da minha cabeça triste e machucada, se não vou receber amor, tudo bem, pode vir porrada. Pelo menos recebo alguma coisa.

Chorei tanto na análise essa semana, que, pela primeira vez em anos, na hora de ir embora, o Dr. Luís Estevão me abraçou, passou a mão no meu cabelo e disse “Minha querida, vai passar”. Saí de lá em choque, desnorteada, meio trêmula.

No mesmo dia em que subo um texto em que digo que a maneira como tratamos nossos frágeis, nossos vulneráveis e os que escanaram o coração é uma escolha, ele resolver me agredir em trinta linhas de ódio imenso, tratando-me com crueldade, mas principalmente com uma condescendência inacreditável. Entendi que foi a condescendência que mais me doeu. Ser tratada como uma imbecil toca em pontos meus que não devem ser despertados.

(o cara algum dia da vida dele usou da mesma veemenência para elogiar qualquer um das dezenas de texto lindos, lindos que escreve para ele ao longo dos últimos anos? Não. Estes ele alegremente finge que não leu.)

Na volta, pedi para o Anderson parar no belíssimo açougue da avenida Santa Catarina, onde comprei um ainda mais belíssimo peito de frango.

O Anderson, apavorado com meu estado, estacionou o carro e desceu comigo.

Em casa, depois de prometer ao Paulão que mandaria logo o texto novo, foi delicioso e terapêutico picar cebola, cenoura e chuchu em cubinhos. Mesmo. Fiquei um tempão fazendo isso. Laminei alho numa espessura que faria minha boa tia Etelvina sorrir. Fatias transparentes de alho.

Montinhos de alho e da cebola foram separados para fazer arroz. Sim, arroz. Resolvi seguir a receita dos velhos etruscos – nada de batata na minha canja, grata.

Vegetais, frango, caldo, arroz e eis que tenho uma canja fumegante na minha tigela (tomo sopa, no mais das vezes, numas caneconas muito maravilhosas).

A casa só para mim e Otelo. A canja fervendo. O cérebro, idem.

Sentei-me na frente duma gigantesca de vinho tinto, canja linda, mesa impecável e comi e chorei.

Não sinta pena de mim. Não faça isso.

Mereço cada segundo dessa dor. Cada segundo.

Tentei filosofar, saiba.

Queria dizer coisas profundas e definitivas sobre dor, desamor e o ódio que, por vezes e involuntariamente, despertamos em quem absolutamente queríamos fazer com que nos amasse. Como se alguém tivesse poderes para isso.

Queria uma solução.

Queria um alívio.

Não tenho, mesmo.

Mas tive minha sopa linda, um chileno muito honesto, tempo. Tempo. Tenho nada além disso.

Mas, disse o analista, vai passar. Um dia.

Um dia.

(mais tarde no espelho, constatei que o choro tinha me deixado com o nariz do Palhaço Carequinha, o que me fiz rir pela primeira vez desde domingo)

2 comentários em “Minha atração pela alça de mira, uma canja e o nariz do Palhaço Carequinha”

  1. eu fiz patê. quilos de. vou passar muitos dias comendo pãozinho com patê ao invés (sempre uso essa expressão com insegurança) de fazer refeições sadias – embora minha médica tenha proibido farinha branca por uns meses. eu concordei – mas não garanti quais. talvez eu esteja sendo um pouco ingrata com a vida que tem me fechado portas mas aberto umas janelas. Eu não sei pular janelas. eu nunca fui muito atlética. no máximo, me escoro no parapeito e fico observando a vida lá fora. que seja. tenho patê de gorgonzola e damasco, de mortadela, de azeitona, de beterraba, de cenoura e de pepino. não fiz, mas ainda posso fazer aqueles mini sandubinhas de ovo. se já não há esperança de felicidade, pelo menos a vida devia me oferecer fartos chás da cinco na “lanchonete” do Palácio de Kensington.

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