Querido Dennis. Foi um dia longo. Com algumas pequenas decepções e um pouco de cansaço. Senti sono, muito mesmo, todo o tempo. Tenho pensado demais na vida e suas circunstâncias, em mudança (de todas as naturezas), naquilo que deixamos para trás e no que, bem, nos aguarda. Ou não. O que ainda espera por mim? O que ainda espera por qualquer um de nós?
Há muito tempo, tive um patrão que eu adorava e que me adorava.
Ele me ensinou que temos de fazer escolhas todo o tempo e que escolher é, acima de tudo, renunciar. Mais ou menos o que uma escritora brasileira chamada Cecília Meireles ensinou para todas as crianças da minha geração: ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não se calça a luva.
Eu já estava na casa dos vinte anos quando fui trabalhar para esse sujeito e, claro, já sabia alguma coisa da dor das escolhas. Mas só num emprego de verdade, com horários a cumprir, responsabilidades a assumir e contas a abater, realmente entendi. Para além do dilema das escolhas, a vastidão das renúncias, foi algo imenso para mim.
Demorei a entender algo que me surpreendeu: algumas renúncias nos dilaceram, mas algumas não doem. Fiz muitas renúncias ao longo da vida, sobrevivi a todas e sofri, sejamos francos, por poucas delas. Na mesma medida, poucas, pouquíssimas pessoas sofreram de verdade por renunciarem a mim. Na maior parte do tempo, antes e depois da troca que me deixou de fora da conversa, do trajeto, do assunto, a outra pessoa sequer pensou duas vezes antes de me dispensar.
Ser adulto, eu acho, é isso também: dispensar, perder, deixar para lá sem sofrer. A perda das pessoas e suas vastas possibilidades em nossas existências não deve, mesmo, nos abalar.
Pensamentos sombrios para uma semana que mal começou, Dennis. Só os divido com você porque falar com quem não conheço me parece tão mais fácil. Você, seu sobrenome estranho e a imensa possibilidade de que sua assinatura encerre e-mails para outras pessoas como “príncipe nigeriano”, “gerente executivo da financeira suíça” ou “pesquisador neozelandês especialista em agogô” me dá liberdade para falar com você como se eu falasse comigo mesma.
Ainda que eu escreva bem em inglês, não quero nem pensar nos erros que acabo de cometer. Seja gentil com eles como você é comigo.
Espero que essa seja uma semana leve para você e que você tenha sarado.
Beijo.
Eu li: “espero que você tenha sarrado”. Esse é o grau da minha demência. Obrigada por escrever assim, como quem afia uma adaga e risca as letras nos meus órgãos internos. Me sinto cada vez mais próximas daqueles personagens pouco verossímeis de filmes antigos. Aqueles com múltiplas personalidades. Uma segue vivendo a vida da melhor forma possível, passa o fim de semana na serra com amigos, recebe o filho com gargalhadas, toma uma cerveja com a irmã, viaja pro interior do pai pra rever parentes, trabalha e paga contas. Outra se veste de alice e vaga em um mundo esquisito, um labirinto de espelhos que refletem a confusão de formas e expressões que ela sabe guardar em algum alçapão da alma. As duas sabem que nada mais a aguarda. Não há nem mesmo renúncias a fazer. Uma trinca os dentes em sorriso e atravessa cada dia. A outra quebra os espelhos com a testa e rasga artérias com os cacos de vidro, mas cicatriza ligeiro demais. Wolverine, lembra? Perdi os anéis, os dedos, e comi as luvas. Que a semana seja leve você desejpu pro Dennis, eu desejaria pra você, como uma corrente de bons pensamentos, daí lembrei como é imensamente triste aquele filme Corrente do Bem e suspendi a frase. Vou trocar por: espero que você tenha sarrado.
Eu sei, eu sei, devia voltar pra análise e não ficar associando livre no seu blog, mas o $ ainda não dá.
nega, tamos iguais