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Entrevista (parte 1): Lílian de Souza Cavalcante

por Andréa Pontes

imagem: LUIZ CARLOS CAPPELLANO/DOMINIO PUBLICO / BBC News Brasil

Puro suco da educação brasileira

Continuo apostando no Universo. Na semana em que resgato o texto do Henfil, sai  uma entrevista na Revista Digital Formação em Diálogo em que eu e a Fernanda Veneu entrevistamos a incrível Lílian de Souza Cavalcante, diretora adjunta de uma escola pública na cidade do Rio de Janeiro. A conversa, pautada por ocasião dos 100 anos de Paulo Freire, é o puro suco de Brasil. É a realidade de milhares de brasileiros, representados por Lílian e sua busca obstinada por entender os alunos para poder atendê-los com a essência que Paulo Freire sonhou. São as histórias que escandalizam – ou, ao menos deveriam – de crianças que convivem com baratas, tráfico de drogas e não sabem o que significa a palavra higiene.

Divido, em duas partes – sábia Fal orienta e a gente obedece – o que eu aprendi com a Fernanda e a Lílian nessa conversa.

Psicóloga, psicopedagoga, especializada em Administração Escolar, mestre em Educação pela PUC-Rio, Lílian nos conta como foi que entrou em contato com a obra de Paulo Freire, o que sentiu e como percebeu a ideia de educação libertadora. Com a palavra, a nossa Lílian:

– Eu me lembro de um livro do Paulo Freire “Conscientização” {Conscientização: teoria e prática da libertação}, estava no segundo ano do curso Normal.  O professor de Filosofia nos apresentou aquele livro em que Paulo Freire relata a experiência em que alfabetiza, com a palavra geradora “tijolo”, os trabalhadores, os operários. À época eu era uma adolescente… eu gravei aquela informação como algo muito importante.

Lílian usaria essa lição anos mais tarde, em 2007, para poder entrar no universo das crianças do CIEP onde lecionava. CIEP, Centro Integrado de Educação Pública, popularmente conhecido por “Brizolão”, projeto de Darcy Ribeiro durante os governos de Leonel Brizola no Rio de Janeiro (1983-1987 e 1991-1994). Além do período integral, o CIEP foi pensado para oferecer refeições, material escolar, recreação mesmo no período de férias, bem como acesso a bibliotecas. Na década de 80, um feito. Ainda hoje, um sonho.

A ficha da educadora caiu quando ela, diante de uma classe de alunos em alfabetização, não conseguia atingi-los. De um lado, a origem da professora, de classe média; do outro, os alunos, com uma rotina sofrida e carente. Foi aí que a Lílian percebeu que precisava entender o contexto daquelas crianças. A metodologia seria uma consequência dessa compreensão.

Para quem acha que a educadora estava diante da primeira turma, engana-se. A professora passou pela educação especial, pelos cursos de Psicologia e Psicopedagogia após o curso Normal. Acompanhou muitos professores, orientando-os. Com isso, chegou para lecionar, de fato, com várias dessas ferramentas. E, ainda assim, era desafiador. A miséria estava lá, as deficiências sociais e econômicas estavam diante dos seus olhos.

Em uma situação, Lílian foi chamar a atenção de um aluno, que não era para ele pegar a escova de dentes do colega, pois era falta de higiene. Foi surpreendida com a dúvida do aluno: “professora, o que é higiene?”. O coração da educadora doeu (o nosso também, Lílian). O menino tinha a boca roída. Por baratas (sim, o poço tem subsolo). Para chegar aos corações daqueles alunos, a professora foi trabalhando o autocuidado, o cuidar do que é próprio. Pelas mãos de Paulo Freire, ensinou-lhes sobre a palavra escola. Guiou-se pela dentista do posto de saúde, mostrou filminhos sobre como escovar os dentes e foi ensinando as palavras “creme dental”, “fio dental”, “sorriso”, “dente”.

Na próxima quarta-feira, vamos saber o que mais marcou a Lílian e uma história de um aluno que não parava quieto.

1 comentário em “Entrevista (parte 1): Lílian de Souza Cavalcante”

  1. Pingback: Entrevista (parte 2 e última) com Lílian de Souza Cavalcante – Drops da Fal

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