Enquanto despeja num pires o conteúdo do envelope de comida de cachorro que tirou de um armário branco de metal, essa mulher de cinquenta anos, muito gorda e malvestida, grita Tuti, Tuti. Imediatamente, um cãozinho redondo e amarelo entra correndo na cozinha e se apoia nas patas de trás. Essa mulher coloca o pires no chão sem elogiar Tuti. Em seguida, abre a geladeira, apanha uma garrafa plástica de água e se senta num banquinho, esperando. Tuti come devagar, cada cubinho molenga envolto em molho cor de ferrugem, uma tarefa quase intransponível. Essa mulher imensa aperta a parte de baixo da garrafa contra sua barriga como que empurrando-a com as duas mãos enquanto se balança, murmurando de boca fechada a canção que não consegue esquecer. Nina a si mesma. O corpo terrível para frente e para trás. Sem expressão, ela espera. Tuti se demora. Essa mulher não tem qualquer pressa. Quando o último restinho de molho marrom desaparece do pires branco sobre o chão também branco, essa mulher se curva e acaricia a cabeça de Tuti, correndo os dedos pela franja do cão. Ela lhe diz que ele é um cão bonzinho e pequeno e pergunta se quer sair. Tuti vai aos pulos para a porta. Sim, ele quer. Essa mulher permite que Tuti saia e se dirige para a escada. Sua garrafa de água esquecida sobre o balcão. No meio da subida, estanca. Diz a si mesma algo como sua balofa imbecil e volta para a cozinha. Abre a porta para permitir que uma gata marrom e pequena entre. Apanha sua garrafa. Volta a subir a escada.
São sete e meia da noite. Essa mulher vai dormir agora. Vai se levantar às quatro e meia da manhã. O mesmo dia, então, começará. Feito todas as outras manhãs.
O mesmo dia, todo dia, mesmo quando coisas imensamente diferentes acontecem a cada dia. O meu não é um dia da marmota, mas a caverna do dragão.
O nosso.
descobri que não sei comentar nos posts que não tem título
hahahaha, nao sei mais é, porém jamais deixarei de ter post com título nesse trem.