por Vera Guimarães
Por volta de 2004, inventei de ter aulas de ilustração botânica, uma expressão artística muitíssimo de meu agrado. As professoras que tive me deram a conhecer parte do universo dos grandes ilustradores e assim fiquei atenta a nomes.
Em 2008, em Amsterdam, sem que procurasse, entrei no Museu Casa de Rembrandt e estava acontecendo a exposição Maria Sibylla Merian & Filhas: Mulheres de Arte e Ciência. Em casa, procurei saber mais dela e meu queixo caiu e eu caí de amores por ela definitivamente. Espero aqui trazer a vocês todo meu espanto e encantamento com essa vida, arte, ciência, delicadeza e generosidade.
Maria Sibylla nasceu na Alemanha em família de artistas e editores. Com o pai e depois com o padrasto circulava pelo mundo das artes e das publicações.
Quando isso? Séculos XVII e XVIII.. De 1647 a 1717. Respirando. Longe, não?
Desde cedo se interessou pelo mundo natural e observava, coletava, registrava dados e pintava insetos e outros animais, plantas e tudo que a cercava na natureza.
Casou-se, teve duas filhas, divorciou-se e foi viver em Amsterdam, enorme centro comercial e artístico da época. Dava aulas e vendia suas aquarelas. Teve contato com material chegado do Novo Mundo via Cia. das Índias e se interessou pela natureza longínqua.
Espantem-se comigo! Aos cinquenta e dois anos, idade em que, àquela época, a pessoa já deveria ser considerada idosa, resolve partir em companhia da filha mais nova para a colônia holandesa no Caribe, o Suriname.
Com indígenas e africanos escravizados embrenhava-se na selva tropical em busca de exemplares da fauna e flora, que observava, pesquisava, registrava e transformava em desenhos.
Depois de dois anos contraiu malária e retornou à Europa, com vasto material para publicação.
Maria Sibylla só passou a ser conhecida em fins do século XX, um tanto por força do movimento feminista.
Em sua trajetória, alguns fatos e o caráter de seu trabalho a tornam maravilhosamente destacada.
GÊNERO: num ambiente totalmente dominado por homens, saiu do papel destinado às meninas/mulheres e fez algo além de ser esposa e mãe.
CURIOSIDADE INTELECTUAL: desde menina se interessou por desvendar o ciclo de vida dos insetos, não se conformando com a noção de geração espontânea, em vigor desde Aristóteles. Embora Lineu já houvesse descrito partes da metamorfose, foi ela a primeira a incluir a fase ovo, fechando o ciclo.
“AVENTURA”: no século XVII, lançou-se numa travessia oceânica e foi bater às portas de um mundo desconhecido, tropical, quente e úmido.
VER IN LOCO: cento e trinta anos antes de Darwin, cuja expedição científica revolucionou a ciência, Sibylla fez em silêncio a sua.
ESPÍRITO CIENTÍFICO: seus registros, não apenas cheios de beleza, são rigorosos.
ECOLOGIA: suas pesquisas e registros levam em consideração o meio em que os fenômenos ocorrem, não são soltos.
HUMANIDADE: inserida na comunidade de trabalhadores do Suriname, observava sua vida e valores. Na descrição de determinada planta, anotou que era abortiva e usada pelas mulheres escravizadas, que não desejavam que seus filhos tivessem o mesmo destino.
EDUCAÇÃO: quando junta arte e ciência, abre as portas para uma forma integrada de gerar conhecimento, pelo estímulo à observação e respeito à verdade factual.
NEGÓCIOS: voltando à Europa, ela mesma edita seus livros.
DELICADEZA: a descrição das plantas/insetos em suas pranchas revela pessoa sensível e delicada.
Querida Maria Sibylla Merian, você é meu CLÁSSICO DO CORAÇÃO.
Vera Guimarães, pacata e preguiçosa, vivendo a vida dos outros.