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Trens cortando o país: Uma lista

por Raquel Azevedo

Querida Carol:

Na dúvida, disse minha professora, faça uma lista.

Esperando o avião que está várias (e várias e várias) horas atrasado, pensei em uma lista de desejos. Não pequena como a do gênio, mas não menos inatingível.

Então vamos lá.

Eu queria nunca ter que ser cínica, mentirosa, falsa e dissimulada. Queria dizer só a verdade que as pessoas merecem ouvir. Queria ser articulada como aquela minha colega que todos odeiam. Queria viajar no tempo, mas ainda não me decidi exatamente para que ponto. Queria que as pessoas não gastassem nem minha energia, nem minha disponibilidade com problemas imaginários. Queria conseguir dizer “não” sem ter que emendar mil explicações e justificativas.

Eu queria dormir numa cama com lençóis de linho lavados por alguém que não fosse eu, de preferência passados e cheirando a verbena. Queria morar perto da minha irmã, melhor ainda se fosse cercada por uma floresta de pinheiros. Você já sentiu o aroma de vinte tipos de coníferas diferentes?

Eu queria que o Pedro Pascal (ou melhor, minha ideia do que é o Pedro Pascal) fosse mais que os mil e quinhentos memes que eu e a Pri trocamos diariamente. Queria ser uma mãe muito, muito melhor. Queria que minha cachorrinha brincasse até se cansar, todos os dias, até nos de chuva. Queria um sono com muitos sonhos bonitos e felizes. Queria abraçar meu avô, deitar minha cabeça no colo dele e ficar quentando sol na varanda depois do almoço de quarta-feira, tendo que me preocupar somente com o dever de Português ou a prova de Física. Queria uma goiaba vermelha. Queria viver sem o custo Blockbuster. Queria ser um bom exemplo, de qualquer coisa, para minha filha. Queria mais silêncios e menos explicações. Queria que essa merda de telefone celular não roubasse nossa alegria. Queria que o Elão e o Zucka fizessem um duelo no estilo medieval e que no final o The Mountain eliminasse os dois como matou o príncipe de Dorne (que, aliás, era interpretado pelo Pedro Pascal). Queria comer queijo mineiro na chapa com açúcar como fazia quando tinha seis anos. Queria que alguém tivesse lido uma história para mim. Queria gatos que não destruíssem plantas ou arranhassem móveis (mentira, meus gatos são perfeitos, eles podem ficar do jeitinho que são). Queria estantes do teto ao chão no meu quarto e uma escadinha de trilho para ir de lá para cá e alcançar os livros que ficam lá em cima. Queria ter podido ficar com a biblioteca do meu avô e o laboratório de fotografia do meu padrinho. E os álbuns de fotografia também. Queria todos os caderninhos quadriculados do mundo. E canetinhas. E filmes preto e branco para minha Canon F-1.

Eu queria alguém que me falasse a verdade que dou conta de ouvir. Queria dar conta de menos coisas, aliás. Queria uma mão cheia de certezas. Queria fazer um curso de design gráfico. Queria cantar num coral. Queria cumprimentar todas as pessoas com um sorriso sincero quando andasse na rua (é fácil, mude-se daí, você vai dizer). Queria uma mesa enorme de madeira de demolição que acomodasse, ao mesmo tempo, a todos que amo. Queria conseguir tocar o nariz com o dedão do pé. Queria chegar aos oitenta anos (ou setenta e cinco) com saúde e disposição. Queria um estoque ilimitado de sorrisos da minha filha. Queria que inventassem logo o teletransporte. Queria não me fazer de vítima por um dia inteiro. Queria um telefonema inesperado no meio da tarde. Ou, mais possível, um áudio. Queria jogar pela janela minha falsa modéstia. Queria que a água levasse toda a minha dor.

Mas o que eu mais queria era que você voltasse para casa e pudesse abraçar seu amor e sua pequena e dizer a eles que tudo não passou de um sonho ruim.

2 comentários em “Trens cortando o país: Uma lista”

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