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Ser feliz com uma xícara de café e o texto de Galeano

por Andréa Pontes

E lá se vão anos – jamais diremos a idade certa

A foto de hoje representa tempos de Escola da Comunicação, da UFRJ. Nela, estou eu, Silvana Claudio (jornalista e psicanalista) e Fernanda Veneu (jornalista, pós-doutora pela Fiocruz e hoje atuando na CEFET, na luta pela divulgação científica). Amigas que a faculdade me apresentou. Uma época boa. O corre era grande. Trabalho, faculdade, estágio, a ousadia de trocar a carteira assinada por bolsa universitária para exercer a profissão. E, os 20 anos nos faziam achar graça de tudo isso. Ah, os 20 anos. Momentos de pressão, de coisas bacanas e do sofrimento de chegar a algum lugar.

Mas, afinal, quando é que a gente é, de fato, feliz?

Ouvi de um superamigo – um terceiro pai, para ser mais exata – algo muito sábio: “a gente não é feliz porque não sabe o que é felicidade”. Segundo ele, a gente condiciona ser feliz a coisas e a eventos. Quando eu eliminar 10 quilos; quando eu me casar; quando eu tiver filhos; quando eu começar o curso dos sonhos; quando eu…

É como beber um café. Prestando bem atenção ao momento, vamos enxergar um copo ou uma xícara, um café coado e bem-feito, por vezes por alguém que não conhecemos. Em um instante, somos felizes.

Por que não somos assim por mais instantes?

A gente não tem o hábito de praticar ser feliz. Tateando o texto de hoje, eu me deparei com uma publicação no Facebook do Zé Carota, jornalista e escritor. Não acredito em acaso. No conteúdo, um trecho de um texto impecável de Eduardo Galeano – como se fosse possível encontrar um defeito em alguma linha do escritor uruguaio. De quem sou fã, por ser ele um dos culpados por eu escolher o Jornalismo, por conta de As Veias Abertas da América Latina.

Galeano fala sobre não confundir o que é grandinho da falsa grandeza. Expõe o quanto é fundamental a ele, escritor – na verdade, a todos nós, Galeano – prestar atenção ao que os intelectuais geralmente desprezam – as pequenas coisas. Eduardo fala que caminhamos dez passos e a utopia caminha mais dez passos à frente, ficando distante de nós. O século XX prometeu a utopia de ser melhor. O século XXI, idem. Mas, os banhos de sangue insistem em nos rodear. É a utopia, sempre distante.

Mas, então, como é que se faz para ser feliz?

Ainda temos os covardes. Segundo Galeano, os sem consciência, que maltratam os mais sensíveis e, muitas vezes, nem se levantam das pancadas que recebem. Gente que vê graça em pisar em cabeças de seus semelhantes.  Difícil ser feliz assim, diante dessa característica descrita pelo nosso escritor.

Porém, tem o café. Aquele foguinho do texto que o uruguaio identifica na vida cotidiana, muitas vezes insone, que se recusa a reparar nos pequenos tesouros, os grandinhos. Cada um de nós tem luz própria. Uns maiores, outros menores. São histórias, na verdade. São vidas. Somos nós. E essas singelezas, a exemplo dessa bebida preta, com aroma que nos desperta, ser feliz, afinal, é viver de foguinhos, de luzes, pequenas, grandes, não importam.

Na minha semana, meus foguinhos foram Silvana, Claudio e o lançamento do livro Gozai por nós, Fernanda Veneu e o trânsito milagrosamente bom em dia de chuva, a tempo de um voo antecipado, meu terceiro pai, o café coado da padaria, lavar o cabelo, assistir ao documentário A Mão do Eurico e reviver o amor pelo Vasco, que meu pai tentou passar a mim, sem sucesso – em defesa, minha infância tinha Zico, Júnior, Nunes, Andrade, Adílio, Leandro, Raul. Mas, isso já é outro texto.

O fato é que nem tento traduzir o texto de Galeano. Ele foi, como sempre, o que eu precisava encontrar. Como uma boa xícara de café.

Post do Facebook aqui

Para viver sem medo, de Eduardo Galeano

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