por Andréa Pontes
O céu do Ateneo
Denise estuda Medicina em Buenos Aires. A família é do Ceará e ela tem um sobrinho autista, por quem é apaixonada. “Aqui, as condições para ingressar na faculdade são mais justas”. Mas, não pense que o curso é fácil. São menos matérias, mas com profundidade – inclusive, as provas são orais – ou sabe ou não sabe.
“A gente só quer que a eleição acabe”, diz Gina, que ganha a vida como guia turística. Fala português muito bem, para uma nativa em espanhol. Com sotaque, claro. No que aprendi, finalmente, o porquê de alguns colegas hermanos, mais rígidos, falarem em inglês quando nos ouvem falar em espanhol. Eles têm, certamente, a mesma percepção.
Colocar-se no lugar do outro nos faz ver que estamos no mesmo barco. Assim foi quase o marido perder o celular em frente à fonte das Nereidas. Mas, aí, entra o orgulho que não deveríamos ter: sério que tentaram roubar dois paulistas e uma carioca? Nananinanao. Essa escola, a gente conhece. Seguramos com firmeza o aparelho celular quando ele está fora do bolso. Ao alertar uma colega da Flórida, ela disse que passou pela mesma situação – só que levou a pior – em Barcelona. Falamos em uníssono pickpocket e rimos muito. De nervoso pela desgraça coletiva, obviamente.
Há uma relação de amor e ódio entre nós. Todos nós. No capítulo hermanos e brasileiros, há uma Nossa Senhora de Aparecida, bem na famosa Catedral Metropolitana, em frente à Praça de Mayo. Há padres que falam português para brasileiros poderem se confessar. A catedral é famosa porque era lá que o hoje Papa Francisco celebrava missas quando então arcebispo. Se bem que a moral dele não anda boa no Rio da Plata. “Foi visitar o Brasil, foi até o Rio de Janeiro, e não veio aqui”, protesta Gina. Ir ao Brasil e não ir à terra natal portenha é pecado mortal para os argentinos. Somos relevantes. O noticiário fala do Cristo Redentor homenageando a Taylor Swift. Fala do calor massacrando o Rio de Janeiro e chegando à sensação térmica de 58 graus Celsius.
Na Praça de Mayo, difícil não se emocionar com as madres de mayo (mães da Praça de Mayo), mulheres que há quarenta anos, toda semana, vão à Plaza de Mayo para chorar mortes de filhos e netos pela ditadura, por corpos que nunca foram entregues às famílias.
Uma professora brasileira nos chama a atenção por tentarmos proteger nosso rapaz azul. A gente teme pela rejeição, essa é a verdade, ficamos atentos a qualquer incômodo ou cara feia ou alguém murmurando xingamentos. Mas, devemos deixá-lo perguntar pelos nomes dos cachorros aos donos, em portunhol. Devemos.
Uma sobra de jantar foi para um morador de rua, que dormia debaixo de uma marquise. Uma brasileira dá graças a Deus porque a mãe vive com ela e ganha em reais. “Não sobra ganhando em pesos”. Aliás, um real, no câmbio comercial, vale 150 reais. No paralelo, chega a 190. O noticiário detalha que o Paraguai proibiu a exportação de bananas para a Argentina. Motivo: falta de pagamento. Já um outro brasileiro garante que não importa, está há um ano aqui e não volta para o Brasil. “O respeito à cultura é maior”, declara.
Uma senhora norte-americana, ao saber que o Giovani tem autismo, perguntou o nome dele e me prometeu que faria uma oração a ele. Comovidas, trocamos agradecimentos. Do jeito do nosso Giovani, ele a agradeceu, mostrando à senhora os carrinhos em miniatura que ama.
Por vezes, vemos um filme do Brasil, de Sessão da Tarde, reprise, acontecendo na Argentina. Dolarização. Polarização. Inflação alta. E vemos espelhos. A paixão e a comoção ao ouvir o Hino Nacional antes de Argentina x Uruguai faria qualquer jogador da nossa seleção corar. Tem amor à camisa. Tem cara de choro pela derrota.
Brasil perdeu. Argentina perdeu. Na verdade, na América Latina, todos perdemos.
Todo santo dia.
Dale? Dale.
A gente tem tanta coisa boa, tanta coisa em comum,mas não adianta. Perdemos sim, todos os dias. Parece que temos uma dívida inexplicável com o resto do mundo.
Mas, porquê perdemos? Até quando?
Sinceramente, não sei.