Hoje, de maneira torpe e traiçoeira, comecei o lento processo de apresentar uma mente jovem e impressionável a Cartago. Sem que a família se dê conta, como boa professora esquerdista que sou, doutrinarei esse pobre menino até que ele aceite Anibal Barca como seu senhor e salvador, convertendo-se à verdadeira fé.
Quando a família menos esperar estará passando férias no norte da África, visitando ruínas de termas e palácios desabados e sendo também doutrinada.
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Quando Roma botou a cara pra fora da água, Cartago já desfilava pelo Mediterrâneo anexando territórios, destruindo cidades, estabelecida numa bem engendrada e cruel e eficiente rede de influência e comércio. Cartago, herdeira da Fenícia de muitas maneiras – inclusive usando seu alfabeto, baseado no alfabeto egípcio e, mais tarde, lindamente roubado pelos romanos – era uma espécie de hub da antiguidade, reunindo, usando, modificando e transmitindo o que havia de grego, de egípcio, de hitita, de etrusco, de núbio, de persa e de todo o resto do mundo alcançável num lombo de cavalo, num barco a remo.
Roma que, crescida, queria os mesmo territórios, tesouros e brinquedos, destruiu Cartago pouco a pouco, uma batalha depois da outra, por muito tempo, comprando a consciência de generais, virando mercenários de lado, roubando e copiando – tábua por tábua – navios de guerra, roubando estratégias, espancando professores em porões até que, famintos e apavorados, eles lhes contassem segredos sobre famílias cartaginesas ricas e seus filhos e hábitos (professores fazem coisas horríveis por comida e vinho, eu digo).
Roma lutou nos campos de batalha e mares, mas também nos corredores e embaixadas e portos e zonas comerciais. Então, um dia, e é assim mesmo que se ergue um império (impérios são coisas terríveis, não se iluda), vencedora de muitas guerras, Roma entrou em Cartago, tacou fogo em tudo, matou e escravizou, pilhou e estuprou.
Cartago nunca se reergueu e Roma ainda brilharia por séculos, desfilando pelo Mediterrâneo anexando territórios, destruindo cidades, estabelecendo-se numa bem engendrada e cruel e eficiente rede de influência e comércio.
Nisso tudo, temos meu belo Aníbal, seu pai terrível e impressionante, sua família disfuncional, sedições de toda sorte e intrigas palacianas que se materializavam em corpos sem vida acumulados nas praias. Mas essa é outra história para outro dia.