Tenho colado cacos, soprado dodóis, recebido notícias terríveis pelo telefone, procurado saídas, rotas alternativas, a tampa do alçapão, a porta de emergência, a escada de serviço, o escape pelo beco. Beco. Tenho gritado seu nome em silêncio enquanto acompanho seu desfile na avenida, com direito a evoluções para a plateia, tchauzinhos de miss, citações em estrangeiro, troca de passagens, escolha de adereços, organização da ala das baianas, gritos de gol. Gol. Tenho chorado com velhos vídeos do Adriano Diogo, tenho procurado o meu RG e recusado os mais variados convites porque não quero mesmo nada. Nada. Tenho ouvido seus trocadilhos idiotas, acompanhado a viagem do espresso da mesa para seus lábios, suspirado com sua risada e mastigado gelo, com fúria, com raiva. Raiva. Tenho marcado os dias, contado as horas, deplorado os minutos, como se meu tempo não fosse a coisa mais sagrada do mundo para mim, como se a espera fosse breve, como se eu não tivesse o que perder. Perder. Tenho escutado o Horace Silver, tenho trocado recados engraçados com a Gogol – ela me ensinou a gravar os recados, não preciso mais digitar. Di-gi-tar. Tenho comprado coisas das quais não preciso, tenho comido maçã verde com gorgonzola e me perguntado – porque não sei nada sobre você – se você gostaria. Gostaria. Tenho sentido sua falta, mesmo quando leio suas palavras e vejo suas fotos e testemunho sua felicidade de comercial e espero algum sinal, seu, do destino, dos astros, dos antros. Antros. Tenho me perdido e me encontrado, feito listas – algumas boas –, tenho arrumado gavetas metafóricas, forrado prateleiras reais com papel amarelo e solidão. Solidão. Tenho chorado escondido, tenho chorado na cara dos outros, tenho chorado por e-mail e no táxi, no chuveiro e na terapia, bebido muito café, cantado para o gato cinzento e cabeçudo, discado seu número sem completar a ligação. Ligação. Tenho procurado – em vão – por um novo nome para um velho monstro, tenho abraçado meu cão como se ele fosse desaparecer, dobrado roupas compulsivamente, organizado cabides para que fiquem virados para o mesmo lado e empilhado CDs, e tenho ouvido Salmaso no último volume, como se ela pudesse resolver tudo só porque a voz dela é linda e ela sabe respirar. Respirar. Tenho pedido fotografias de presente – como se as belas imagens alheias pudessem me consolar – tenho comprado pilhas e planejado comprar uma máquina fotográfica, tenho desejado morrer, tenho feito chocolate quente às três da manhã, tenho falado com os gatos como se eles me entendessem, tenho escrito para a Telinha, e evitado reler seus e-mails antigos. Antigos. Tenho sorrido um pouco, respondido que “não, não tem problema”, tenho sentido sua falta, tenho evitado seus olhos, usado seu apelido com outras pessoas, tenho feito maionese, planejado um novo cão, feito transcrição, pintado as unhas de cor de vinho. Vinho. Tenho recebido regalos, combinado bobagens, lido “A Luta Operária” com a Maloca, nadado com as cachorras do Char em uma piscina feita de verde, tenho gritado seu nome debaixo d’água e assustado peixes imaginários, tenho me punido, tenho me cortado, tenho fingido o jogo do contente, tenho tentado ser mais grega e menos este horror absoluto que sou, tenho relido os livros, aqueles, como se a história pudesse mudar. Mudar.
Tenho fingido que está tudo bem.
eu fiz por tanto tempo o jogo do contente que mesmo quando não era verdade, era e eu realmente olho pra trás sem conseguir separar alguma alegria que não seja “verdadeira”. Mas, desde 2016, parece que é sempre o funeral do primo da Tia Paulina e trago comigo Poliana sacudindo a cabeça e dizendo que certas coisas não servem para o jogo.
(eu sempre fico impressionada como você faz muitas coisas, eu acordei, comi pão com café, escrevi um texto, respondi 3 emails, chorei, arrumei as araras e já estou declarando o fim do dia)
meu deus, vc tb faz coisas demais, meu amor <3
Leio e volto sempre. Nunca te leio só uma vez. Amei, amo. Sempre.
ô meu bem <3