Há muito, muito tempo, escrevi que às vezes o amor não nos alcança e, caras, como eu tinha razão. Devo, porém, fazer um adendo: às vezes um filme nos alcança.
Tenho vagado pela selva cerrada de streamings, canais e, arrã, sites de entretenimento alternativo em busca de algo para ver – nada me toca. Então nesta madrugada, com os olhos fixos no escuro, pensando no porquê faço as coisas que faço (não recomendo a prática), encontrei esse filme.
Werk ohne autor é um filme sobre arte. Um filme sobre a busca de um pintor pela própria expressão.
Quem é você? O que é você? Por fim: que arte você é capaz de produzir?
Nosso herói – um alemão oriental que cresceu durante a guerra, passa as primeiras décadas de sua vida em busca das respostas. Na melhor tradição dos artistas plásticos alemães, ele experimenta e experimenta e experimenta. O que nos fala demais sobre método. Talento não nasce pronto e, antes disso, método não aparece do nada. É preciso tentar e tentar, insistir e insistir, doer e doer, cansar e cansar. É desesperador e nunca tem fim.
Um dia, o meu é um filme feliz, ele encontrará a sua voz, sua expressão, seu veículo e começará a trabalhar de verdade.
Mas mais importante do que tudo isso, o meu é um filme que fala a respeito de sobreviventes.
O meu é um que filme que fala a respeito de sobreviventes. Porque era exatamente um filme que fala a respeito de sobreviventes que eu precisava tanto, tanto assistir.
O meu, é um filme sobre pessoas que sobrevivem à guerra, ao fogo, a bebês perdidos, ao pai suicida, a árvores muito altas, a ecos de buzinas em pátios cimentados, a tias malucas, a tias – vá lá – não tão malucas, à dor, ao medo, a Hitler, a apartamentos feios e apertados, ao não entendimento dos próprios sentimentos, a sentimentos demais, à dança de salão, ao socialismo, ao nazismo, a tudo, tudo, tudo o que fizeram conosco. Eu precisava ver um filme sobre uma garota que assiste um filme de mãos dadas com o pai, um pai horrível, e que, por algum estranho motivo d’alma, não busca, como eu busco, o desamor em seus homens. Eu precisava ver um filme sobre aqueles que sobrevivem porque ontem tentei, com sucesso, boicotar a mim mesma e me magoar de novo. Nalguma coisa eu haveria de ter sucesso nessa vida, pois não?
Eu precisava ver um filme a respeito de sobreviventes, a respeito de desamor, a respeito de encontrar voz e veículo e método, porque eu precisava, mesmo, sobreviver. Preciso.
Na música em que o Gilberto Gil explica (e convoca) que a gente precisa ver o luar, ele também ensina que “se a gente não vê, não há”. Eu não vi o filme que trata de encontrar voz, veículo e método e, principalmente, eu não vi o filme a respeito de sobreviventes. Não vi. Não vi. Não há para mim. Talvez mesmo que agora eu o procurasse, encontrasse e assistisse, talvez eu ainda não o visse. Não fosse mais capaz de.
Mas eu ainda sei vir aqui e arrumar um ninho com suas palavras – que nem nos filmes* sobre bravura, percursos e cansaço, os moços espadachins faziam com feno em celeiros ao longo da estrada – e tentar, se não sobreviver, permanecer. Até não mais.
*estes eu vi, uma eu que, tal como os filmes assim, já não há. Nem eu, nem os filmes, nem o luar, desculpa, Gil, meu amor.
Até não mais.
Eu não sei bem o que comentar, a Lu puxou o fio do Gil e eu assisti “Em casa com os Gil” chorando em todos os episódios (ainda não acabei pq deixei um restinho pra ver depois). Tem uns afetos que me tocam de um jeito.
Mas de verdade vim comentar porque amo vocês duas e queria estar junto.
Te amo, queri <3