por Mariana Aldrigui
Se a palavra é TURISMO, a imagem mental criada costuma ser de praia limpa, tranquila, coqueiros, sol, corpos bronzeados. Com alguma elaboração, camisas floridas, câmeras fotográficas, monumentos icônicos.
Fizemos mal o nosso trabalho – e digo fizemos pois sou parte envolvida nos processos – ao não conseguir, até hoje, ampliar a leitura de turismo para os aspectos que importam de verdade quando se fala em buscar mais qualidade de vida.
Não resta dúvida que viajar é algo que todos deveriam poder fazer. Desligar-se da rotina estressante, conhecer lugares novos, experimentar sabores e cores diferentes, ampliar a noção de mundo e de humanidade. Mas também sabemos que, por mais que seja importante, em muitos dos casos nossa situação não nos permite fazer a viagem dos sonhos.
Morando em São Paulo, e com a oportunidade de conhecer outras grandes cidades do mundo, sempre me incomodou o fato de a cidade não ser um destino consolidado, daqueles em que a gente se esbarra nos turistas no metrô e ouve o tempo todo um idioma diferente ao andar na rua. O que falta para que o lugar em que escolhi viver seja mais interessante para os visitantes?
Pouco a pouco, ao mesmo tempo em que me afastava de maneira consciente dos pesquisadores tradicionais e suas propostas repetitivas e observava com mais cuidado a relação entre visitantes e moradores de um local, foi possível reconhecer algumas abordagens que, necessariamente, fazem a diferença entre, por exemplo, Londres e São Paulo.
Convido o leitor a um exercício mental – quando você tem um destino favorito, daqueles que sempre aparecem entre suas opções de viagem, o motivo da sua segunda ou terceira visita é o atrativo turístico que saiu na foto e recebeu as curtidas nas redes sociais? Garanto que a resposta é não.
O que muita gente não percebe é que a forma de viver em uma cidade, a relação de seus moradores com o que a cidade oferece, é o que mais chama nossa atenção e cativa nossos corações e mentes: o metrô que cobre a cidade, as linhas de ônibus que respeitam os horários e atendem a todos, a segurança, a possibilidade de caminhar por ruas e avenidas sem estar apavorado e abraçado a seus pertences, impedido de observar o que acontece ao seu redor.
E mais – encontrar o diferente, os diferentes, e reconhecer que há respeito, e oportunidades e perceber nos moradores certo orgulho de estar lá, de dizer que vivem lá
Não é difícil ter orgulho das belezas do Brasil, mas tem sido complicado dizer que vale a pena morar aqui. Desenvolvemos um espírito competitivo, exibido em diferentes conversas, exaltando o tempo que passamos no trânsito, a quantidade de vezes que fomos assaltados, a resiliência que dispomos ao lidar com a quantidade de notícias ruins, de condições lastimáveis da vida na urbe.
Pouco a pouco, porém, decidimos assumir alguma responsabilidade. As razões são várias, mas decidimos sair dos shoppings para ocupar os espaços abertos. Reunimos os amigos para colocar um pouco de cor e música, e povoamos as praças, os elevados fechados aos carros, as avenidas que antes eram só poluição. Aprendemos a olhar para os nossos bairros e compartilhar a cerveja, na mesinha da calçada, e a levar mais gente para lá. E vamos transformando os desafios em poesia, devagar. É aqui, bem aqui na troca real, que há um turismo podendo mudar o mundo ao seu redor.
Aquele espaço, antes vazio, pode receber o visitante que em outros tempos não viria, mas que agora pode vir pois o preço é acessível. E o dinheiro dele vai circular na padaria da esquina, no boteco, na farmácia. E uma nova amizade pode surgir, e mais gente virá, e vamos aprender que para que as coisas melhorem, precisamos cuidar do que está ao nosso alcance. A cama limpa, o preço honesto, o serviço alegre, e a indicação correta são o começo. A construção de uma consciência de direito ao espaço público vem logo em seguida, assim como a força coletiva para cobrar com mais empenho as melhorias necessárias a uma condição de vida digna. Para quem mora aqui. E depois, para quem vem nos visitar.
Mariana Aldrigui é pesquisadora em Turismo Urbano da USP / presidente do Conselho de Turismo da FecomercioSP