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A carta da Alessandra

por Alessandra Costa

Maria Fernanda –  @collages420

Foi esse texto, uma carta da dra. Alessandra A. Penna Costa para alguém que ela ama, que nos levou ao tema da revista.

Querida Belinha, 

Começo essas mal digitadas pedindo perdão, Belinha, por sempre colocar a culpa na falta de tempo. O tempo não é o culpado. O tempo é senhor pleno do passado, presente e futuro. E este ano o tempo voou. 

Dois mil e vinte e um foi um ano confuso para mim, com uma série de mudanças. Você sabe como lido mal com mudanças. Dois mil e vinte e um foi um ano confuso, pontuado por perdas. Você também sabe como lido mal com perdas. Dois mil e vinte e um foi um ano confuso para mim, com uma série de sentimentos conflituosos. Você sabe, lido muito mal com conflitos e sentimentos. Dois mil e vinte e um foi um ano com muita fé em dias melhores. Foi nisso que me agarrei para conseguir passar esse período com o mínimo de sequelas possível.  

Mas não pense que me esqueci de você. Não! Ao contrário, pensei demais em você, Belinha, desejando que voltássemos a conversar na madrugada, naquele horário onírico só nosso, quando o sonho e a realidade se confundem, quando o cérebro trabalha feito louco para absorver os aprendizados do dia. Este ano não deu para nos encontrarmos, né? E como não nos encontramos, achei melhor mandar um e-mail de Natal. Você sabe, uma atualização. 

Acho que nunca senti tanta pressão na profissão como em 2021. Vínhamos de um 2020 catastrófico e nos enchemos de esperança com a possibilidade de vencermos a pandemia com duas doses de vacina. Nós nos deparamos com toda sorte de reveses, explosão de casos, negacionismo, falta de vacina, UTIs lotadas, explosão de número de óbitos. Deu um desespero, um desânimo e no fim eu estava apática, vivendo no modo econômico, em isolamento emocional. Em muitos momentos me senti como um soldado nas trincheiras, típico de filme de Segunda Guerra, com um fuzil numa das mãos e um cigarro na outra, tentando me proteger do pior. Não vivi uma guerra mundial, mas aprendi com você como eram os treinamentos antibomba, sobre o período de estado de sítio e sobre os blecautes programados em Manaus. Sua Manaus sofreu muito em 2021, você deve ter ficado sobrecarregada acolhendo as vítimas da pandemia.

O tempo, enfim, passou e a minha fé não tão inabalável aumentou quando vi pessoas nas filas se vacinando, fotografando os cartões de vacinação e o número de casos e óbitos diminuindo a cada dia.

Agora, no fim de 2021, diferente do ano passado, não estaremos mais isolados e nem eu trabalhando nas trincheiras hospitalares. Vamos finalmente nos encontrar e, juntos, celebrar o Natal. Bacalhau, salada de batata e rabanada, apesar de não haver melhor do que a sua, vó. Nunca haverá. Seu livro de receitas está comigo, Angela me deu. Posso falar com propriedade que a minha galinha guisada com batatas é muito parecida com a sua, pode se orgulhar.

Vou me despedindo por aqui, Belinha, desejando que você tenha um Natal cheio de coisas boas. Mande meus beijos a todos os que não estão mais conosco, especialmente para a Eurídice. Será o primeiro Natal que ela vai passar aí com vocês.

Vamos marcar um encontro nosso, feito o da música, num sonho, vamos? Aprendi a fazer um sequilho de coco que desmancha na boca, fica muito bom com café. Vou fazer quando você vier.

Quanto à promessa, sigo firme e forte!

Feliz natal, vó. Saudades, muitas.

Beijos da sua Alessandra

A música da Alessandra

Como esse é um e-mail de Natal, escolhi uma canção para você que fala do retorno para casa, de neve, de clima natalino, de união e de sonho. Acho que você não conhece, é americana, lançada em 1943 por Bing Crosby. Se chama I’ll be home for Christmas. A letra diz que o moço vai estar em casa para comemorar o Natal com a família. O fim da canção é meio tristonho porque o cantor só passará o Natal em casa nos sonhos dele. Os soldados nas trincheiras da Segunda Guerra Mundial – os do Eixo, os Aliados – adoravam essa canção. Ouvi muitas versões, escolhi essa, com o Elvis Presley, aquele tipão. Depois me conte se gostou.

Alessandra Augusta Barroso Penna e Costa, carioca amazonense, mãe da Mariana, filha da Marly e neta da Isabel. Médica por destino, pediatra por opção. Neurologista e intensivista por paixão. Amante das letras, dos sons, das imagens, dos sentimentos. Adoro viagens sem muito planejamento, sou excelente contadora de causos e engraçada, esquisita, boa amiga. Sonhadora, idealista, teimosa. Não acredito em bruxas pero que las hay…

14 comentários em “A carta da Alessandra”

  1. Toda vez que leio essa carta eu choro. E choro porque me identifico com cada um desses sentimentos. Muito orgulho! Toca o coração da gente, e renova a fé ea esperança de dias melhores ao lado de quem amamos. Parabéns novamente, linda carta à Belinha. ❤️

  2. Alessandra com sua sensibilidade, delicadeza e inteligência, relatou lindamente nesta carta para minha tia e madrinha Belinha.
    Muito emocionante e linda, Alê❤️💝👏🏻👏🏻👏🏻

  3. Antonio Luiz Carvalho dos Santos

    Eu acho que é a esperança voltando depois de um terremoto de emoções que tivemos que enfrentar. Quanta angústia,quanto medo por nós e pelos nossos. Enfim esperança de uma vida melhor voltando. Apesar das perdas sempre teremos os ganhos. Vamos viver a vida novamente.

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